domingo, 15 de julho de 2012

"Revisitando" o espelho do meu quarto


Uma janela que abria para um mundo de possibilidades. Eu morava próxima a um bosque, ao lado de um terreno com muitas árvores. No meu quintal havia um bosque, aonde eu conversava com as árvores. 13 anos. Era a idade que eu tinha quando me mudei para aquela casa de alvenaria branca com janelas de alumínio Sasazaki. Dali daquela moldura comecei a ver o mundo. O verde, o canto dos pássaros, tudo entrava no meu quarto de adolescente. Tintas, papel, a velha máquina de escrever Olivetti de segunda mão, as cópias de minhas lições de datilografia, meus cartazes de Jornada Jovem... ah, isso era muito legal. Cada gaveta que eu abria descobria a surpresa de um papelzinho com uma bela frase que os meus amigos haviam escondido para eu encontrar justamente no momento mais inesperado. Tinha sempre aquele cheirinho inigualável da amizade carinhosa da adolescência, quando parece que a vida consegue ter um gosto por ora tão eterno, por outros tão efêmero. Nesses cruzamentos da vida, tinha cartazes com figuras lindas, uma frase que a Miriam fez pra mim: “não corra atrás das borboletas, plante flores que elas virão até você”. E quando o frio, o calor, o sol, o tempo foi apagando as letras da Miriam, eu gostava tanto do cartaz azul com a figura de um buque de flores colado que peguei um pincel atômico e passei a minha caligrafia sobre a da Miriam, porque eu não queria apagar nunca aquela frase do meu campo de visão. Até hoje não me lembro quando deixei as borboletas para trás. Ah, mas a coisa mais importante pra eu contar é sobre o meu espelho. Ah... espelho, espelho meu... que visão de mim você dá hoje? Aquele meu cúmplice que me acompanhava nos momentos em que eu estava linda, e nos que estava ridícula. Aquele que acompanhava todos os meus passos de dança, feitos de meia no chão sintecado que eu tanto encerava porque minha mãe gostava do chão bem brilhoso. E primeiro eu encerava e nesse momento conhecia cada veio da madeira que pintava o chão do meu quarto. Um contraste tão lindo com as paredes e o teto brancos. A parte de cima foi envernizada até o dia em que meu pai transformou tudo com um rolo e uma lata de tinta branco gelo em um ambiente bem mais iluminado. Mas sempre gostei muito de madeira e nessa época eu tinha uma mesa de madeira maciça, construída pelo meu bisavó paterno, encostada em uma das paredes de meu quarto. Ali eu criava as mais incríveis coisas. Abria minha caixa de tintas - magenta, amarelo ocre, verde musgo, vinho, verde oliva, azul celeste, roxo, vermelho escarlate – que morava bem ali em cima da mesa feita pelo meu bisavô, e escolhia as cores para a arte da tarde. Era camiseta, cartaz, um simples papel, muitos panos de prato, algumas fraldas. Ursinho, frutas, flores. Meu quarto tinha cheiro de tudo, tudo que me revelava. Da tinta, ao suor da dança, ao cheirinho gostoso da limpeza recém feita e da madeira hidratada com a cera. Eu já falei que o meu espelho ficava no centro do guarda-roupa? Isso foi no começo, porque logo que eu comecei a trabalhar, a primeira coisa que fiz foi substituir o velho guarda-roupa prensado por um bem bonito. Custou R$ 279 e tinha dois espelhos, um em cada porta central, do lado de fora. Eu me via bem melhor. Passei a dançar mais. Calça bailarina, camisetas, blusinhas curtas, abdominais, espelho, pinceladas, espelho. Ai que vício. Um dia na escola, a professora da 8ª série deu para lermos um texto descritivo que tratava de um circulo vicioso. Acho até que esse era o título, porque a cada três coisas que o personagem fazia, uma era cigarro e fósforo. Daí me dei conta que meu vício era espelho. Todas as noites ele me ilustrava os bobs pra acordar com o cabelo bonito da manha da escola. Anos mais tarde, estudando psicologia da comunicação, descobri que dá-se a isso o nome de narcisismo. Larguei um pouco os espelhos, porque não gosto de perder o foco da vida, mas só um pouco, porque me dei conta que pra eu achar meu eixo tenho que me olhar no espelho. Minha cama era de casal e recebia sempre as visitas de meu irmão caçula Victor à noite. Ele adorava dormir comigo e sentiu muito quando eu deixei a casa dos meus pais para me mudar com mais duas amigas para um apartamento no centro de Pato Branco que ia ser meu QG para estudar jornalismo.
Antes de cair na cama eu tinha que ter dito que o meu guarda-roupa é a minha caixa de pandora. Lá estavam meus tesouros. As roupas que procurava gostar de usar, apesar de nunca poder ter acesso às modinhas de verdade. Eram muito caras. Mas minhas roupas eram bonitas. Até, vejam só, tenho algumas peças dessa época ainda, e que ainda me servem. As costuradas pela dona Zilda. Que insistência em usar ainda, mas só se ficar bonita. Diferente dessa frase repetitiva que fiz. Na adolescência eu chamaria isso de “ridículo”, um dos sentimentos mais recorrentes entre as paredes branco-gelo de meu quarto. E eram limpas contrastando com a chuva de pensamentos que me assolava. De contornos, os cartazes da Miriam. Mas no meu guarda-roupa tinha também meu porta-jóias. Meus lindos brincos, anéis, colares. Passei quase minha vida toda com alguma correntinha no pescoço e anéis nos dedos. Faz anos que ela é de ouro, e faz três anos que tem um pingente de um menininho de boné contornando meu colo e aquecendo meu coração. Mas minhas jóias de adolescência eram bijouteria, só tinham valor sentimental. Muitas compradas em praia, que na metade do ano já estavam bem feias. Ah, passava o ano esperando as férias dos meus pais, para viajar com eles e meus irmãos pra praia. Então, na minha caixa de pandora tinha também meus biquínis. Antes de me mudar para esse quarto que tinha janela para o bosque, morávamos numa cidade em que nossa casa ficava em frente a um clube de piscina. Vivia preta. Melanina ativada. Tinha algumas roupas de banho que ocuparam ali, algumas das gavetas, numa posição mais aposentada durante todo o ano. Meu guarda-roupa tinha três gavetas grandes, logo atrás do espelho. A arara tinha casacos, vestidos, saias. Nas outras quatro portas não haviam espelhos, mas tinha calceiro. Eu achava isso muito legal, porque no guarda-roupa prensado não tinha lugar para pendurar as calças de forma tão simétrica. Ah, o prensado tinha penteadeira no meio. Na caixa de pandora com espelhos na porta, do lado de fora, eu tinha que fazer minha penteadeira nas prateleiras internas. Então, meu guarda-roupa tinha aquele cheirinho bom de perfume de moça, hidratante para o corpo e sabonete gostoso. Ah, eu me sentia tão bem abrindo aquelas portas. Ele era o dono de uma das paredes.
Nossa, descrever meu quarto é uma tarefa meio cansativa. Na outra parede, ao lado da mesa do meu bisavô que abrigava a caixa de tintas - e velha Olivetti que vez em sempre ocupava o centro da mesa, das lições de datilografia ao meu primeiro romance escrito – tinha uma estante de aço, singelamente pintada de azul bebe que abrigava todos os meus livros, cadernos, revistas Claudia, badulaques e tranqueiras dessa fase tão bagunçada da vida. Na primeira prateleira de baixo ficavam os calçados. Depois vinham as revistas que comecei devorar muito cedo, e uma sequencia de enfeites mimosos.
Sempre quero voltar pra cama. Ao lado dela, um criado mudo que abrigava o meu som, batizado na época de minisystem. Aprendi a fazer mágica e me beneficiar das palavras logo cedo. Transformei a caderneta ganha de R$ 150, meu texto publicado no jornal Novo Horizonte “Mãe, a vida dá vida” e os mais R$ 90 interados por meu bondoso pai em um aparelho de som. Empilhados abaixo dele estavam todos os meus poucos CDs – que estavam começando a surgir. Mas uma infinidade de fitas k7. Tinha uma sempre no ponto para eu gravar as músicas da hora que tocavam na Movimento FM. Largava a cera, o balde, a vassoura, a massa de pão, o que fosse, para correr apertar “rec”. Aos 15 anos, já tinha uma playlist interessante.
Mas sabe qual é a parte mais importante do meu quarto? É uma que permanece comigo até hoje: a essência da minha alma. Hoje enxergo com clareza tudo que parecia bagunçado e nebuloso dentro da moldura do bosque. Apesar de virginiana, sempre guardei muitos badulaques. É caixa, dentro de caixa, para guardar outra caixa. Coloridas, bonitas, diversos compartimentos, enfeitadas, com adesivos. Meticulosamente tudo separado, as vezes misturado. Caixas pra arrumação, caixas pra bagunça, caixa pra sapatos, caixa pra cintos e meias, caixa pra contas a pagar, para as cartas, bilhetes e marcas do namoro. Meu namoro com a vida, com a paixão de estar viva, com meus tesouros íntimos, esse namoro em si mesma, narcisista, apoiada na representação do real para não perder o norte. Me ver faz bem. 

Crédito imagem ilustração: 

terça-feira, 3 de julho de 2012



Christoferson
A nova proposta, de uma tradicional e antiga simetria
Daiana Pasquim[i]
O trio de melhores amigos Christoferson tem nome novo, nova proposta para 2012, mas uma história sequencial de anos para contar. Liderado pelo compositor pato-branquense, Lucas Piaceski - que tem o genoma de Eric Clapton, Neil Young, Ray Charles, Jimi Hendrix, Bob Dylan e Miles Davis, que se consolida numa releitura própria -, o trio se faz com o primo Matheus Angeli, no baixolão e o amigo de infância Luis Henrique, na bateria. Lucas é vocal, gaita, violão, e guitarra, o trio tem a proposta de fazer 80% de um genuíno repertório. Tocando seus instrumentos desde a infância, das músicas próprias, consolidam-se alguns covers vivenciados pela banda em quase dez anos, como os próprios Clapton, Young, Dylan, mas tambémCreedence, The Racounters, Queens of the Stoned Age e The Pixies.
São mais de 200 letras e 50 melodias criadas por Lucas Piaceski, ex Schonell (sobrenome materno adotado brevemente). A prova de originalidade do líder da banda – que já se chamou The Propellers, foi assistida pelo auditório do Sesc Pato Branco lotado, em 31 de julho de 2011, na 3ª etapa da “Aldeia Musical”. Antes da banda Paraná Blues se apresentar, o palco foi de Lucas Piaceski, com covers de Bob Dylan, Neil Young e The Band, mas metade do show feito de músicas compostas e criadas por ele mesmo. Foi uma oportunidade ímpar de mostrar a essência de sua arte. Entre elas estão Name In The Fire, My Boss and your Prostitutes, Moving Like Stones, Walking By The Trees, A Plane to the Promiced Land, Don’t Let Me Here, Working to Rise, e inúmeras outras. Músicas cujos vídeos de divulgação no Youtube com direção da jornalista Daiana Pasquim, ou áudios gravados em estúdio com ilustrações do próprio Lucas, que também é arte-finalista e cartunista, estão sendo divulgados.
Foi também dele a voz que encerrou o Aldeia Musical de 2011, apresentando-se dessa vez, com a big band The Loco Motive Blues, composta por oito músicos profissionais de Pato Branco, Francisco Beltrão e Coronel Vivida. Com a Loco Motive foram inúmeros shows em 2011 em casas das duas principais cidades do Sudoeste, com destaque para o Reveillón de 2012 no Clube Pinheiros, em Pato Branco.
Entre o rol de influências musicais bem pautadas no jazz, blues e funk, se for para se conceituar, resume “sou um cantor de blues”. Fato é que em suas canções há muitos vestígios Country, Folk, Surf Music, Indie Rock e até levemente Gospel.
A proposta de Christoferson – que por mera coincidência contém Cristo e Lucifér num mesmo nome-, de místico tem o poder de fazer vivenciar a simetria musical. Algo que não se encontra em qualquer melodia, apresentação e que independe do desejo de uma banda, simplesmente, acontece. Três jovens talentos que cresceram juntos, sem o propósito de serem encaixados nesse ou naquele gênero, mas sim, têm personalidade própria para ser o que são. Sons acústicos e elétricos numa só banda, num mesmo show, genuinamente revelado.

Para conferir áudios e performances acesse:
http://soundcloud.com/lucaspiaceski




[i] Jornalista em Pato Branco e formanda em Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela UFSC. daipasquim@hotmail.com. Assessoria Christoferson.