Pé ante pé, quase sonâmbula,
Henriqueta arrasta-se para o banheiro empurrada pelo toque do despertador. Mais
uma manhã urgia e clamava por trabalho. Acomoda-se sentada e começa a olhar
para os quadrados brancos delimitados pelo rejunte cinza escuro. Nota então que
deles, de quando em quando, movimentavam-se pequenos pontinhos pretos que ora
escondiam-se, ora seguiam em fileiras. “Formigas”, pensou.
O sono ainda presente conteve o impulso
de matá-las e, enquanto liberava seu organismo do armazém da noite, passou a
observar o comportamento desses insetos que vivem em comunidade. A súbita
apreciação deu-lhe a certeza sobre o quanto seres humanos e formigas são
parecidos. Do seu esforço, à sua pequenez. Da sua persistência, à sua vitória.
Sim, Henriqueta se deu conta que esse
levantar diário seguido da ida para o trabalho tentando lançar suas novas ideias,
o hábito de abrir a janela e tentar enxergar diferente, é nada mais que um
esforço formiguinha. Os insetos pequeninos andavam em filas, quase que
rastreando uns aos outros, pelo cheiro, pela atitude, pelo mero costume de se
seguirem? Questionou. E o livre arbítrio, em que piso quadrado se perdeu? Quantas
assim se desgarraram pelo caminho, morreram na empreitada, foram abandonadas
pelo grupo sem ao menos uma palavra de carinho, sem um tempo para dizer “adeus”?
O que nós seres humanos fazemos
uns com os outros e com nós mesmos durante o ano? Quando a gente afunda a
cabeça nos rejuntes acinzentados e arrastamos nossos músculos e neurônios para
um trabalho puxado, quando ligamos o piloto automático e percorremos as trilhas
que nos dizem que temos que viver. Essa
vontade de fazer diferente esperando um elogio é um esforço formiguinha. Não
passa muito da dedicação para construir seu próprio ninho. As formigas-humanas
focam suas rainhas e buscam reconhecimento, um lugar ao sol. As formigas-rainhas
são seu chefe, seus clientes e fornecedores, o maior salário, a gente suporta a
busca e tudo que nela implica porque queremos chegar na casa confortável, na
viagem desejada, no crescimento salutar da família, na felicidade que uma
formiga, sequer, talvez nunca venha a experimentar.
“Fora dos desenhos animados, será
que uma formiga é feliz?”, divagou a operária. O erro em que decorrem os
humanos é o de querer fazer isso, sozinhos. A história da comunidade da formiga
nós não seguimos muito não. Quanto mais intitulamos “comunidades”, menos as
praticamos. Por isso, quem nunca se sentiu carregando o mundo nas costas? E
nunca nem foi reconhecido por esse esforço hercúleo? - filosofou.
“Eu sou uma formiga”, sussurrou
Henriqueta, coçando os olhos. Já de frente ao espelho, viu agora subindo as
paredes, como que num retrovisor, a carreira de negras patas. Seria uma
infestação ou uma forma sensível e matinal de perceber que todo esforço exige
algum custo e que nem sempre você vai conseguir ver a formiga Rainha, ou se
tornar uma. Aliás, Henriqueta desde então criou uma teoria: Há pessoas que
nascem “formigas rainha”, outras, eternas operárias. Os seres humanos são mesmo
assim? “Não seja tola, Henriqueta, são apenas formigas invadindo seu banheiro”.
Trilhou do banheiro ao quarto,
vestiu-se e foi, sozinha em seu carro, para o labor que a inebriava. Ela queria
crescer na vida. Lá na cozinha, no entorno do pote de açúcar, os pontos pretos
buscavam uma forma de furar o bloqueio. Era uma questão de vida ou morte.
– 25 de janeiro de
2013, 19h01
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