Foto: Angela Zolet Palma/ Vogal Foto.Amor |
Relato de Parto: nasce a Daiana mãe
Vivo as emoções de ser mãe de menino há quase dez anos, desde a
descoberta da chegada do Lucas, com a revelação do sexo por volta do quarto mês
de gestação. Desde então tudo são delícias de ter esta conexão tão intensa de
ser o lado feminino de um ser masculino que gerei em meu ventre. Do parto do
Lucas, ao longo dos anos, foi ficando aquela certeza de que ele poderia ter
sido natural, como eu me preparei naquela juventude inteira, mas na hora H ouvi
que tinha parado de dilatar e, sem a força e apoio inerentes a esta experiência
sexual que é o nascimento, passei por uma cesárea com 39 semanas e 1 dia de
gestação. Sua DPP chegava a dar para 7 de setembro, meu aniversário, e
concretizou-se como meu presente antecipado em dez dias, em 28/08/2008. Não só
pelos números, mas nossa relação tem sido cabalística em todo o seu
desenvolvimento, inclusive pelo fato de por volta dos cinco começar a me pedir tanto
um(a) irmãozinho(a). A gravidez da
Aurora oportunizou uma avalanche de emoções em nossa família: laços ainda mais
estreitados, novos conhecimentos sobre meu corpo, a gestação, a relação em
casal e a formação da bebê extremamente conectada à mãe. Acendeu nesta mulher a
necessidade de um VBAC (Vaginal Birth After Cesarean), para o qual meu marido
Lucas e eu nos preparamos mergulhando profundamente em leituras, em conversas
longas com nossa doula Denize Penteado, em meditação guiada MindFullness, em
treinos de movimentos em casa e na visualização deste parto vaginal tão
aguardado que poderia ser vivido intensamente por nós dois. Crescemos na
gestação suavemente e tudo ia perfeitamente bem conforme o programado, até a 32ª semana, na consulta pré-Natal que identificou a pressão arterial em
15 por 10. Nossas estruturas se abalaram um pouco, comecei a tomar medicação
para controle e tive ordens médicas de me afastar de tudo que causava estresse
ou pressão - causas possíveis do descontrole, com bateria de exames normais e
descartando pré-eclâmpsia. Tentei deixar este descontrole como um segredo
baixinho, sem espalhar nem mesmo para a família, pois quanto mais pessoas
soubessem maior poderia ser a "pressão" de ter uma PA bem controlada.
A esta altura meu amado estava expert em cuidar de nós, aferindo até quatro
vezes ao dia e repassando a tabela para a dra Juliana Petry, que me
tranquilizou: "se mantivermos controlada e tudo continuar bem, você vai
ter o seu parto humanizado como sempre sonhou, da mesma forma". Eu me
agarrava a isto, mas já começava a saber que algo poderia apagar esta luz no
fim do túnel. E de fato, um apagão ocorreu na consulta da 34ª semana+5 dias,
num pico de estresse, em que cheguei ao pré-Natal com 18 por 12 de PA, com
intensa dor de cabeça e na nuca. O drama estendeu-se do consultório direto para
o internamento, no qual fomos conduzidos ao pré-parto para realizar o
cardiotoco - 1º de minha história como mãe que deu o prazer de ouvir nossa
menina por 20 minutos seguidos e registrar todos os seus intensos movimentos
para mostrar o que eu no fundo já tinha certeza: estava tudo bem com ela;
monitoramento constante de PA - que me angustiavam a cada três minutos em que o
aparelho inflava, não só pela torcida em ver baixar com a medicação na veia,
como pelo estresse que causou ao meu nervo mediano, já sofrido a esta altura da
gestação devido à minha lesão no túnel do carpo que piorou muito ao longo das
semanas, causando formigamentos e inchaços nos dez dedos e mãos; medicação na
veia e coletas de exames. Foi ali no pré-parto que Lucas e eu conhecemos o
clima da sala que procurávamos visitar na meditação guiada quando pensávamos no
nascimento, que ouvimos a vocalização das ondas uterinas que traziam os bebês
cada vez mais próximos aos braços de suas mães e que ouvimos o primeiro choro
de alguns seres saindo misturados a estas vocalizações em seus agudos mais
intensos, escorrendo lágrimas em nossos olhos e mais uma vez imaginando como
seria quando chegasse "a nossa hora", porque com todas as auscultas
com doppler e a minha pressão controlando para 13 por 9 naquele entardecer,
ouvimos da dra Ju que como a Aurora estava formadinha e perfeita, tudo que
viesse dali pra diante era lucro. Com isto em mente, vivemos três difíceis dias
de internamento, ganhando alta com 35 semanas e um retorno para casa com ainda
mais recolhimento, pedidos de exames e muita curtição na barriga que crescia e
nos correspondia cada dia mais.
Relato de Parto: nasce Aurora Diana
O primeiro nascimento da Aurora foi em Mindfullness, no projeto
Preparação para o Parto que a nossa doula Denize Penteado mantêm todas as
terças-feiras, das 18h30 às 20h em sua clínica. Frequentamos desde a 16ª semana
de gestação e tivemos o privilégio de visualizar, num encontro VIP temperado
com lágrimas mornas, meu útero se entregando em ondas, meu períneo se abrindo
como uma flor, pétala e pétala, e ela escorregando para os nossos braços
quentinha, rosada, nós impregnados de ocitocina e tendo um Contato Primal
intenso de mais uma hora, em que ela viria direto para o meu peito e fitaria a
mim e ao seu pai, abocanhando o colostro com aquele olhar vivo ao qual os bebês
de parto ativo nascem. Esta experiência suave e profunda regada a respiração
foi essencial para internalizar esta mãe que subia de level nos
patamares de entrega. Aprendi a ver o parto como o ápice da vida sexual de um
casal - pais devem viver este momento juntos; o ápice da vida sexual de uma
mulher, pois seu útero jamais se abrirá tanto assim em outra oportunidade na
vida (para tantas mulheres da sociedade moderna pode ser uma oportunidade
única). Felizmente tenho com o Lucas este desejo intenso de coroar o nosso amor
nesta filha - desejamos a gestação, nos surpreendemos loucamente com a
descoberta "daquele sanduichinho", pronunciou o dr. João Petry e o
mundo tornou-se rosa da manhã para a tarde, completando nosso projeto de
família com um casal de rebentos para chamar de seu.
O segundo nascimento da Aurora veio com tintas, traços, florzinhas na
cabeça e um solzinho representando a placenta, para enaltecer o significado de
seu nome. O projeto de pintura na barriga é algo tão carinhoso que as doulas
fazem conosco e recebemos prazerosamente a Denize naquela noite de sexta-feira
para não apenas materializar a Aurora em contornos em minha barriga, mas também
repassar técnicas naturais de alívio da dor, posições de massagem que o Lucas
faria em mim na primeira etapa de nosso trabalho de parto em casa, as essências
que a Dê poderia usar para trazer aromas e conforto à sala, rebozo, TENS,
enfim, todos os encantos de sua mala de doula que vem recheada de carinho -
cabe tanta coisa como aquela bolsinha da Hermione em Harry Potter, porque doula
é meio bruxa também, nos melhores de todos os sentidos. Vivemos a gestação com
a Dê aprimorando muito nossas mentes e corpos - não mencionei ali em cima que
no projeto das terças tem exercícios para o períneo, informação e tira-dúvidas,
construímos suavemente nosso "casulo de calma", reprogramamos nossos
pensamentos, olhamos a vida de forma diferente. Juntos, sempre juntos! A Dê nos
deixou em paz por volta das 22h daquela sexta-feira, com 36s+2d.
Abri os olhos às 8h daquele sábado 24 de março com uma intensa vontade
de ir ao banheiro. Ainda na cama, a barriga contraía bastante, com as Braxton
Hicks dando frequentemente o ar da graça nas últimas duas ou três semanas. A
barriga ficava toda dura por cerca de uns 30 segundos, indolor a não ser pela
certeza de que as coisas estavam verdadeiramente mudando dentro de mim. O café
da manhã foi feliz da partilha entre Lucas e eu de que, definitivamente, meu
corpo começava a mudar, já que a DPP 18/04 ficava cada vez mais próxima e o meu
maior pedido interno era de um trabalho de parto suave, com meu corpo se
abrindo como uma flor vagarosamente, sem grandes impactos em minha pressão
arterial que prejudicassem de qualquer forma aquele processo natural e ativo
que desejávamos para acolher nossa filha neste mundo. Era o dia do "Chá de
Beber da Aurora", eu realmente queria que o Lucas passasse um tempo com os
meninos, já que nas últimas semanas estava se dedicando tanto a nós. E eu
precisava de um tempo comigo mesma, para escrever a carta de despedida de minha
barriga, que logo se iria. A mala da Aurora estava prontinha e revisada pela Dê
na noite anterior. Fomos à farmácia juntos por volta das 15h30 e comprei todos
os itens possíveis que uma puérpera precisa:
lingerie descartável, absorvente para seios, etc. Lucas saiu de casa às
17h, logo fechei também minha mala com pijamas e produtos de higiene e sentei
na cama para me despedir da barriga. Escrevi como boa jornalista cinco meias
páginas com várias contrações "monstro" - nunca tinha visto a barriga
tão grande e fiz fotos-, dei o ponto final às 17h57, senti um calor descendo
por meu ventre. Levantei rápido e em frente a porta do banheiro começou a
escorrer pelas pernas: sangue. Seria o meu tampão começando a sair? De dentro
do box liguei pra Dê. Já havia comunicado a ela as mudanças em meu corpo
durante o dia e então aconselhou ligar pra médica. A dra Ju me pediu para
deitar e observar se o sangramento parava. Lukinhas deitou-se ao meu lado e
juntos abrimos a caixinha de mensagens escritas no Chá de Bênçãos da Aurora,
feito em 03/03 quando das 33semanas (cabalístico?), lendo juntos as carinhosas
linhas de minhas amigas e familiares. Notei que a barriga se comportava
diferente, não sentia minha filha como antes, pedi conselhos à Dê, que me
recomendou comer. Na cozinha, desceu três ameixas secas e tive novamente que
correr ao banheiro. De lá, minha audição começou a sumir, abri o Whats e
informei com brevidade às 19h40: Absorvente cheio. A dor tá aumentando. Acho
que vou ter que chamar o Lucas. Pressão caindo, sinto isto. Chama ele pra mim.
Vem você aqui. Vou precisar de ajuda. Estou escutando ao longe. E tá saindo
mais líquido quente. Dê pergunta: "sangue ou bolsa?" Eu: acho que
sangue. Dê: Vou ligar para o Lucas e tb já vou.
O drama só crescia e a dor somatizava. Tudo que eu conseguia fazer era
me inclinar para a frente em cada contração - como tinha aprendido no
treinamento para alívio da dor - e Lukinhas me trazia travesseiros para me
acomodar no banheiro, algo muito quente saia de mim, seria a bolsa estourando?
A noite já caia funda e chovia intensamente. Em três minutos escutara a
frenagem dos pneus em frente a casa e o Lucas veio me acolher no banheiro. No
olhar a possibilidade: havia chegado a hora de nossa filha chegar!? Ele me
colocou na bola de pilates sobre uma toalha e tudo que eu conseguia fazer para
interromper os infinitos era me inclinar para a frente e vocalizar
Aaaaaaaaaaaaaa, como ajudava a passar por cada onda. Lucas me abraçava, me
abanava, Aaaaaaaaaaa, senti o abraço quente da Dê por trás de minhas costas,
Lucas comunicou a dra Ju: "Acho que ela está em trabalho de parto".
Aaaaaaaaaaa. A Dê me olhou nos olhos e disse: "Vamos para o hospital, pois
está evoluindo muito rápido". Eu: mas e se não for, eu não quero ficar
internada por dias, quero viver este começo em casa! O sonho balançou. E eu
pedi: me traz aquele vestido roxo. Ela passa a mão nas malas e com o Lucas, me
acomoda no carro sobre outra toalha de banho. Da chuva e noite, nunca vi meu
amor cruzar a Tocantins com tanta agilidade. Aaaaaaaaaa pegamos todos os sinais
fechados, Aaaaaaaaaa ele buzinava, ligava o alerta e cruzava como uma
ambulância verde sem sirene. Aaaaaaaaa ao pronto socorro do HSL veio a
enfermeira com cadeira de rodas, eu me recusei a sentar, seria muito mais
difícil suportar a dor passivamente. No pré-parto Aaaaaaaaa é você, que bom!,
disse pra enfermeira Vero. Fui arrancando o vestido e o top, ela com o doppler
ouviu Aurora, me fez um toque e sanguei ainda mais. Desmaiei. Pedi água. Vesti
a roupa de Pré-Parto e mudamos de sala, chegou o dr. Petry, auscultou a Aurora
que estava ativa e fez novo toque: está com 2cm de dilatação. Aaaaaaaa neste
momento a Dê soprou em meu ouvido: "Dai, acho que vai ter que ser
cesárea"... e um forte vento fez as minhas paredes mentais voarem como
naqueles espirais intermináveis construídos por Kafka. E o meu parto... ia
voando o pensamento... Aaaaaaaaaa chegou a dra Ju, ouviu Aurora, 125bpm, novo
toque Aaaaaaaaaaa. "É descolamento de placenta, temos que fazer cesárea de
emergência". Peguei em sua mão e deixando as lágrimas rolarem implorei:
"Só salve a minha filha dra, faça o que precisar fazer!". Ela
assentiu com ternura. Em um minuto minha veia estava calibrosamente pulsionada,
caminhava para o centro cirúrgico amparada pelo Lucas e pela Dê, desmaiei
novamente com pressão baixa. Ironia né. Na mesa cirúrgica os campos foram agilmente
preparados e um suspiro de alívio tive ao olhar para o lado direito e ver o
pediatra: Dr. Rodrigo Berlatto, que bom que é vc, dr., que vai receber a nossa
filha! Ele me sorriu e disse: Ah, é você! Logo vou aí para conversarmos. Já me
vi na posição para receber a raquidiana. Lucas ligou nossa playlist selecionada
ao longo dos meses e eu reclamava da intensa luz em meus olhos. (Eu queria um
parto suave, com nossas músicas, luzes baixas, cheiros e harmonia) Lucas
protegia meus olhos e me abanava com o leque rosa da Dê. Da anestesia para o
nascimento da Aurora foram apenas três minutos: 21h18 ela veio a este mundo
pesando 2.310 gramas e 45,5 cm. Não ouvi nenhum choro, não pude receber minha
filha no peito. Olhei para a Dê inquisidora: "Ela já nasceu!? Eu nem ouvi
chorar! Ela nasceu mal!?" Lágrimas rolando... a Dê afirmou que sim, ela
havia nascido, mas fraquinha, e já estavam cuidando dela. Me fez zoom na tela
do celular e vi uma bebezinha rosa, repleta de vérnix, numa mesa repleta de
campos cirúrgicos. Felizmente, o Lucas logo foi chamado para junto do pediatra,
poderia estar com a nossa filha. A minha maior sorte do mundo era ter uma
doula, porque tudo que eu mais queria era que cada instante de vida da nossa
filha (longe dos meus braços) fosse acompanhada por ele. Li muito sobre contato
primal durante a gestação e sonhava com aquele olho no olho fixo e intenso, ela
quentinha acolhida em meu peito, Lucas com a cabeça sobre os meus ombros, ela
poderia fitar profundamente a nós dois e descobrir o casal que mais a ama no
mundo e que por ela fará de tudo nesta vida. Todo o quente que sentia eram
minhas lágrimas rolando e o carinho das palavras da Dê, que ficou ali na minha
cabeceira de centro cirúrgico todo o tempo, confabulando comigo o porquê foi
importante ter esta brilhante cesárea humanizada, que os planos nem sempre se
concretizam como sonhamos, mas acontecem da forma mais viável – pois toda mãe e
todo bebê têm o parto que precisam! E eu respirava aliviada, porque minha filha
havia nascido, recebia cuidados, meu corpo não representava mais um perigo
diretamente nem a ela nem a mim, devido ao trabalho que estava sendo finalizado
pelo dr. Petry e pela dra Ju, que veio falar comigo e reiterar que tudo tinha
corrido bem, apesar do descolamento de placenta pela súbita elevação de PA e da
emergência. Recebi mais que atendimento e a minha filha salva no mundo, recebi
carinho! Vi a Aurora pela primeira vez da tela do celular da Denize, que por
alguns instantes trocou de lugar com o Lucas, enchendo meu coração de calor. –
Meu Deus, ela é linda! Que linda!!, rolavam lágrimas. Olhos abertos, rostinho
inchado, aquela pele clara contrastava de uma forma tocante com as roupinhas
rosas. Veio o pediatra, explicou a gravidade, que ela havia ingerido sangue e
por isto passou por aspiração, mas que estava apenas no oxigênio e berço
aquecido em observação, até às 23h. Denize e eu descemos para o quarto, fui
encontrando pelo caminho rostos conhecidos que me traziam alívio. No quarto,
antes mesmo do que esperava, Lucas entrava com ela em seus braços, beijando, já
um pai tão prático em carregar a sua filha, vi que a intimidade entre eles era
linda e louvei a Deus por tudo ter dado certo. Pude finalmente beijar a minha
filha, sentir seu calor e passar o meu para ela, oferecer meu colostro, sentir
seu cheirinho, e o mundo voltava para os eixos novamente. Tive a melhor cesárea
humanizada que jamais sonhei! Ser mãe de menina é recompensador, é voltar no
tempo em que você nem mais se lembra, é revigorar-se como menina-moça e mulher.
O crédito de todas estas fotos incríveis é da amiga e superprofissional Angela Zolet Palma, da Vogal Foto.Amor
O crédito de todas estas fotos incríveis é da amiga e superprofissional Angela Zolet Palma, da Vogal Foto.Amor