sábado, 23 de fevereiro de 2013

CONTO-LITERÁRIO: A Colina dos Tomé





O encanto da Colina Verde dos Pássaros

Daiana Pasquim, texto escrito em 7 de outubro de 2009

Uma estrada íngreme e sinuosa, demarcada por pedras em estilo medieval desde o sedutor portão abrem o princípio do território da Colina Verde dos Pássaros. Fica onde se pode chamar de o ponto mais alto do bairro São Roque, de Pato Branco, onde, ao ser comprado pelo casal Rui Afonso Tomé e Beatriz Ana Pozzolo Tomé, em 1983, não era nada mais que ummorro pelado”. Esse, aliás, foi um dos apelidos que o então contador da Palagi recebeu dos colegas de trabalho, acrescido a “O Rui tá louco”, fruto da descrença dos amigos que viam naquele lugar nada mais que um pedaço de terra sem graça. Fundamentado no amor, o casal imprimiu ali muita espiritualidade e hoje a chácara de 68 mil metros quadrados (6.8 hectares) pode ser considerada uma das maiores áreas particulares esverdeadas de Pato Branco.
São mais de cinco mil árvores de cerca de 70 espécies, a maioria frutífera que atraem mais de 60 espécies das mais variadas aves. No local parece existir uma aura, mantida pelo canto ininterrupto de pássaros e pelo ar essencialmente puro. O gramado se estende como um tapete ao redor do casarão construído ao gosto da família, nos anos seguintes a compra. Moram de encantamento há 22 anos. Beatriz e Rui Afonso Tomé tiveram dois filhos: Kelly e Gian Carlo. Juntos, eles construíram o verdadeiro “patrimônio natural”.

Da terra, veio a paixão pelos pássaros. Rui Afonso Tomé dedicou 35 anos de sua vida na maior revenda de máquinas agrícolas existente no perímetro de União da Vitória a Capanema. Contador e financeiro da Palagi, recorda-se com a descontração ganhada ao longo de quase 77 anos de vida, a serem completados no próximo dia 1º de dezembro, queaqui era tudo limpo. Uma terra lavrada com três palmeirinhas e mais nada”.
Há 26 anos, o local era desprovido de energia elétrica e tinha não mais que três residências, mas o faro sentia a bela visão da cidade que poderia se ter. Assim como do sol, da lua e das estrelas.
Das mais de cinco mil espécies arbóreas estimadas estarem hoje no quintal, Rui Afonso Tomé conta que plantou 90% delas somando com as mãos femininas de Beatriz, que deu roupa de orquídeas aos troncos espessos, mas os outros 10% nasceram pelas mãos da natureza, inclusive a dos passarinhos, que levam sementes longe. O nobre senhor aposentado explica duas razões que o levaram a comprar o que ele prefere chamar de “uma colina”: a primeira é de fato a visão da cidade; e a segunda, a espiritualidade e religiosidade sentida no local, analogizando que na Bíblia, os maiores acontecimentos foram vivenciados nas alturas, em morros, montanhas e colinas. Nesse contexto, há mais de duas décadas ele vai à sacada para fortalecer o equilíbrio emocional, a paz interior e uma série de sensações indescritíveis que garante funcionar.
Pássaros e árvores sempre encantaram Rui Afonso Tomé. Ele revela que a paixão se acentuou com seu guru, o escritor Johan Dalgas Frisch, de quem comprou a 1ª edição do livroAves Brasileiras”, autografado a pedido de Rui, em 17 de agosto de 1984. O mesmo título emedição, revisado paraAves brasileiras e os frutos que as atraem” coassinado também pelo filho Christian Dalgas Frisch ocupa um lugar de destaque na mesinha da sala de lareira que vizinha com a televisão onde o ornitófilo apresentou uma pequena parcela das cinco horas de gravação que tem. Em 100% dos lances está registrado o comportamento dos passados dentro da propriedade da família Tomé, nos últimos anos, desde que ele comprou a filmadora. Seu objetivo é editar um DVD. Não para comercializar, mas para presentear. “Temos que propagar e incentivar o pessoal a plantar árvores”, enfatiza, passando a receita da melhor fórmula para atrair pássaros. “A mensagem que tenho é a minha natureza. O resto vem por si”.
Pela lente da filmadora sobre o tripé de madeira do antigo telescópio usado há 40 anos para olhar as estrelas e a lua, o ornitófilo Rui Afonso Tomé registra “o lanche dos pássaros”. O segredo para se aproximar sem espantar as aves é a discrição e o silêncio, além da relação amistosa que as aves parecem reconhecer na alma de seu apreciador. “Alguns ficam mansos. Costumo ficar concentrado a uma distância de 7 a 8 metros”. O que mais lhe impressiona no comportamento dos pássaros e a capacidade de espalhar a notícia sobre onde tem comida. Ondeum casal, logo vem a família inteira, atraído pelo canto singular de cada espécie. “Eles espalham a notícia em poucos minutos sobre onde tem comida”.
São pássaros como tucano, pica-pau, beija-flor de cinco variedades, sabiá, trinca-feno (ave rara que está no local sempre), rolinha branca, juriti, pombinha carijó, tico-tico, coleirinha, canarinho, guaxe, curucaca (maior ave da região), quero-quero, tizio, anu preto, anu branco, João de barro, bem-te-vi e o que ele classificou como a ave principal e mais rara, “sua Beatriz”. Espirituoso, Rui conta que a ave mais bela é o tucano, sendo que a mais linda e rara está em extinção: Beatriz.
Com a declaração de amor profundo à mulher, Rui Tomé relaciona a lista da flora mais produtiva que tem na Colina Verde dos Pássaros: jambolão, canafístula, ingá-feijão, ipê roxo, caroba, ipê amarelo, dedaleiro, pitanga, cerejeira, curupiá, uvaia, capororoca, vacum, goiaba do mato, canela guaicá, imbuia branca, aroeira, banana de mico, erva mate nativa, espinheira santa, entra dezenas de outras, contando que mais de 70% das espécies do quintal ainda não identificou.
A filmagem de algumas aves demandou um processo de produção. No quintal, ele tem também o que chama de “restaurante dos pássaros”. Relata que 80% de tudo que filmou foi conseguido num de ameixa, a fruta de inverno com bastante massa, cuja cor atrai os pássaros. As tão aguardadas imagens do gavião e dos periquitos Rui Tomé guarda como prêmios. A concentração dura até duas horas, em momentos classificados por ele como de ligação direta entre “a natureza, as criaturas e o criador”.
Rui Afonso Tomé nasceu em Nova Roma (RS), na época Antonio Prado, há apenas três quilômetros de sua alma gêmea Beatriz, nascida em Nova Treviso (RS). Formou-se em Direito, mas não chegou a exercer a advocacia. Também lecionou, em idos tempos, Matemática Comercial e Financeira. Até que veio a paixão pela natureza. “Eu sempre fui de me concentrar mais na parte interior e espiritual. Sempre falo que acho que tenho um antepassado que é eremita. Posso ficar sozinho até uma semana. Tudo depende do pensamento. Se você tem um interior com bastante coisa boa e se compenetrar, assim como vou filmar, às vezes fico duas ou três horas esperando o ângulo do passarinho e, nesse meio tempo, fazia integração da natureza, com as criaturas, os passarinhos, o seu Rui e o criador. A gente fica elaborando essas coisas e começa voar junto, trazendo paz interior”.
No Ocidente, Aristóteles foi um dos primeiros a escrever sobre as aves em sua obra “Sobre a história dos animais”, continuada em Roma, mais de três séculos depois, por Plínio, o Velho. Além de ser motivo de estudo, as aves foram inspiração para muita produção literária. No Brasil, o escritor Fischer enumera Tom Jobim, Villa-Lobos e Jorge Amado como alguns que afirmaram publicamente que suas obras foram grandemente inspiradas pelo canto dos pássaros.
Para Rui Afonso Tomé, o cantar dos pássaros é uma dádiva de encanto. “O sabiá, quando está na nidificação (fazendo o ninho), é o primeiro da manhã que canta e o último da tarde”.
Assim, construiu na vida condições para escrever seu próprio capítulo da felicidade tão procurada. “Estar embaixo de uma árvore que você plantou, plantou para atrair passarinho e ele está aí, o que se quer mais? Eu ponho asas”. Sua explicação é entrar no contexto, se definindo de forma transcendental: “sou quase um alado”.



“Sempre falo que acho que tenho um antepassado que é eremita. (...) Sou quase um alado, define-se o ortitófilo Rui Afonso Tomé








Curiosidades:

 Levanta-se normalmente às 6h30, faz o café para sua Beatriz e depois vai “tratar os bichos”. São as galinhas da Beatriz e as angolistas do Sr. Rui, cachorros, gatos e o “restaurante dos passarinhos”.

“O Tucano é o mais lindo. A ave que eu mais gosto é uma ave em extinção. Espécie igual eu não iria encontrar nunca mais”.

“Eu sou da parte mais rude, plantar árvores, grama, ir atrás dos passarinhos, mas o embelezamento é com ela. Nas orquídeas tem os dedinhos dela”.

“Quem tem um lote com um espaço meio grande, deveria ter uma árvore atrás. Poucos têm. Isso atrai passarinho. Plante uma árvore que atraia, por exemplo, jaracatiá, o mamãozinho do mato, que dá no verão, mas o que vê passarinho... quem tem um espaço maior, plante ameixa de inverno e, maior ainda, o abacate. Por incrível que pareça, as duas árvores que mais atraem passarinhos são o abacate e a ameixa de inverno”.

“Na redondeza me dizem: seu Rui, estão aparecendo uns passarinhos que nunca vi antes, não sei de onde estão vindo. Eu digo: eu sei”.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo seu trabalho.Estou revitalizando uma área de um sítio da família,com espécies que atraem e abrigam os pássaros.Também já possuo o livro de Johan Dalgas Frisch,muito me ajuda.Fotografo pássaros de várias espécies por onde vou.Posto essas fotos na página do Wiki aves .com ;que é uma espécie de enciclopédia brasileira.Faço as coletas das espécie sob as árvores dormitórios e assim nessa semana descobri a Espinheira Santa.A fruta que as aves mais gostam são as bananas,os figuinhos,as pitangas,as sementes da Magnólia Amarela,as Jabuticabas,os frutinhos da palmito Juçara,os mamões,Caquis,Laranjas.Estou á procura da melhor de todas,a" Fruta -de-Sabiá",um arbusto que frutifica sedo,e seus frutinhos são extremamente atrativos e servem também como iscas para alguns peixes.Esse arbusto já é vendido na internet,mas acho muito caro.Foi um a satisfação saber que as aves e pássaros,possuem protetores e as florestas defensores.Eu assino como "rotas interrompidas",nome de meu projeto de arte contra as mortes dos pássaros contra as vidraças.Descobri que a imagem de um gavião em voo,colado nas vidraças ,afastam os pássaros,que não veem o vidro mas avistam muito bem o gavião.Tudo de bom para o seu projeto.

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    1. Tão bom ter um retorno que transpareça a sensibilidade de uma alma literária e amante da natureza, como o que me escreveu. Muito obrigada e desejo-lhe sucessos em seu empreendedorismo de preservar o sítio de sua família!

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