Daiana Pasquim[ii]
Gaibéus,
de Alves Redol é uma narrativa 
cadenciada, árdua , que 
dá ao leitor  pouco 
tempo  para  respirar . A sensação 
combina com  a realidade 
vivida  pelos 
personagens  coletivos 
da trama , inspirados no real . Por  isso , Gaibéus
é o romance  neorrealista[iii] que  marcou para  sempre  a história 
da literatura  portuguesa. Publicado em  1939, exige recorrer  em  vários  trechos  ao dicionário , em  especial  para  compreender  os termos  usados pelos 
trabalhadores  no arrozal 
em  seu 
fazer  diário .
Antonio Alves Redol[iv], em  Maio  de 1966
escreve a reedição  do livro . Com  a sobriedade  quase 
três  décadas 
após  sua  produção  juvenil , se
questiona: “Será que  tenho a mesma  mão ?”
Essa nova  introdução 
ao livro  é também 
uma autobiografia  que 
aproxima o leitor  da sensibilidade  do autor :
“Propus-me com 
Gaibéus criar  um 
romance  antiassunto, ou , melhor ,
anti-história, sem  personagens 
principais  que 
só  pedissem comparsaria às outras. O tema  nasce no colectivo de um 
rancho  de ceifeiros migradores,
acompanha-lhes os passos  desde  a chegada 
à partida  da lezíria 
ribatejana, no drama  simples  e directo da sua 
condição , destaca um 
ou  outro 
para  apontar  certos  fios  mais  individualizados, mas 
logo  os faz regressar 
à trama  do grupo .
O trabalho  produtivo ,
a exploração  descarnada 
do homem  pelo 
homem , tomados nos 
seus  aspectos 
mais  crus ,
na lâmina  viva 
do dia-a-dia , dominam o livro .” (1966: pág. 9 e 10)
O livro 
retrata  em 
grande  corpo 
situações  tristes ,
oscilações  de condições 
de vida  e de morte ,
por  isso ,
antes  de tudo ,
é pertinente  conceituar 
a corrente  literária 
portuguesa do Neorrealismo, que  nasce
numa relação  interdependente 
com  a produção 
literária  de alguns 
expoentes  pelo 
mundo , a se destacar ,
conforme  Massaud Moisés (2008: 391) pelos  escritores 
norte-americanos  Michael Gold, John
Steinbeck, Upton Sinclair, Sinclair Lewis, John dos Passos ,
H.G.Carliste, Erskine Caldwell, Ernest Hewingway; e também 
romancistas  brasileiros 
do Nordeste , em 
especial  Jorge Amado ,
José Lins do Rego , Graciliano Ramos ,
Amando Fontes , José Américo de Almeida e
Rachel de Queirós, que  chamam a atenção  para  o grave  problema  socioeconômico  das secas 
e a luta  de classes 
em  torno 
do açúcar  e do cacau .
            A
classificação do próprio  Alves Redol para 
sua  produção  é
a seguinte : “Há em 
todo  o romance 
a impetuosidade  desregrada, o
arrebatamento impulsivo  de um  jovem  que  anseia  por  libertar  o homem  de tais-grilhetas, desejando que  a sua  pena  se torne ferramenta 
de progresso .” (pág. 10). A afirmação mais  uma vez 
valida o posto  alcançado por  Gaibéus,
de ser  a obra 
de referência  do neorrealismo português . Outra  vez  temos a felicidade 
de conhecer  a opinião 
do próprio  autor ,
que  teve a sorte 
de colher  em 
vida  as críticas 
da maturidade  de sua 
obra :
“Como ,
porém , esses 
outros  escritores 
se vangloriavam da sua  posição  extrema 
de arte  pela  arte , desfigurando-a, a reacção operou-se também  por  outro  excesso ,
fenómeno natural  no jogo 
das contradições , principalmente 
quando  vem de jovens 
que  se supõem, e ainda 
bem , capazes 
de renovar  o mundo ,
o homem  e a arte .
O neo-realismo foi assim  um  sadio  combate  de juventude . E daí certo  desprezo  aparente  por  tudo  o que 
representasse literatura  sem 
raízes sociais  bem 
vincadas, embora  alguns 
dos seus  poetas 
herdassem exactamente do «presencismo» a seiva 
formal  para  a
sua  poesia ,
enquanto  outros 
se aconchegavam a Garcia Lorca ou 
Alberti, a Machado  ou 
a Êluard,” (18) Faltava-me, pois , racionalizar 
a prosa , ganhar 
sobriedade , não 
tanto , porém ,
que  enfraquecesse a mensagem ,
como  tantas vezes 
acontece. Necessitava de alcançar , como  Gramsci escreveu, a forma 
vivaz  e expressiva ,
ao mesmo  tempo 
sóbria  e contida, porque ,
insistindo nesse trabalho  aparentemente 
só  formal ,
acabaria por  agir 
praticamente sobre  o conteúdo ; ganharia assim 
a deflação  da retórica 
que  estropia a cultura ,
particularmente  a cultura 
jovem  que 
se dirija para  uma sociedade 
humana  e científica .
(1966: 13)
“...deveria ser 
menos  descritiva, não 
se tratando, pois , de expor 
um  ‘retrato 
fiel ’ da realidade ,
ao modo  do realismo 
clássico , mas 
de ressaltar  os aspectos 
que  ficaram obscurecidos e babalizados por  questões 
culturais, como , por 
exemplo , considerar 
a pobreza  como 
um  fato 
do destino . A narrativa 
precisava ser  reveladora e denunciadora daquilo que  atinge a maioria 
das pessoas  e é por 
elas  ignorado. O neorrealismo pretendia formar  uma cultura  crítica  e promover  a consciência  das responsabilidades 
humanas sobre  a realidade 
narrada” (OLIVEIRA : 2010,111).
            Nesse contexto , a tônica 
do neorrealismo visto  em  Gaibéus
acentua a condição  animalesca 
da vida , a começar 
pela  descrição 
de “Rancho ”, no primeiro 
capítulo , onde 
os trabalhadores  misturavam-se com  os animais ,
competindo de forma  desigual 
no “conforto ” e nos 
alimentos . A severidade 
do romance  começa 
ser  descortinada no segundo 
capítulo  “Arroz 
à foice ”, onde 
a desorientação dos trabalhadores  para  o fim  de seu  trabalho  e de suas  vidas  fica
latente . O arroz 
é o ouro  que  eles  não  podem acessar , embora  o
cultivem a vida  toda ,
mas  para  os patrões . Seguem-se ainda 
os capítulos  “Trégua ”,
“Sete  estrelas 
na praia ”, “Mensagem 
da nuvem  negra ”,
“Porto  de todo 
o mundo ”, “Malária ”,
“«Vou-me embora , deixo o campo  ...»” e, por 
fim , “O Inverno 
vem aí ”. Em 
alguns  trechos ,
a música  e a dança 
configuram alívios  para 
o estomago vazio , o corpo 
esvaído e a cabeça  triste .
Metáfora  vivenciada no ditado  popular 
“dançar  conforme 
a música ”, embalado inclusive 
por  “era 
o vinho , era 
o vinho , era 
o vinho ... era 
a coisa  que  eu  mais 
adorava”. 
HOUAISS.
Dicionário  Eletrônico 
de Língua  Portuguesa. Versão  2009. 
MOISÉS,
Massaud. A Literatura 
Portuguesa. São  Paulo: Cultrix, 2008
- 35ª Ed.
REDOL,
Alves. Gaubéus. Digitalização e Arranjo  de Agostinho Costa ,
em  outubro 
de 2003. Obtido na Webteca da disciplina 
de Literatura  Portuguesa III da UFSC no endereço 
http://ead.moodle.ufsc.br/mod/resource/view.php?id=16708
acessado em 2 de abril de 2010.
[i] Resenha 
produzida a cerca  do romance  Gaibéus,
de Alves Redol, como  avaliação parcial  da disciplina 
de Literatura  Portuguesa III, ministrada pela  professora doutora em 
Literatura  pela 
UFSC, Susan Aparecida de Oliveira , no quarto  período  do curso  de Letra 
e Literaturas  de Língua 
Portuguesa da Universidade  Federal  de Santa 
Catarina (UFSC).
[ii] Jornalista 
formada pela  Fadep (Faculdade 
de Pato  Branco ),
trabalhou por quase oito anos no jornal Diário 
do Sudoeste  de Pato 
Branco  (PR); professora de Produção
Textual, Literatura e Linguística, por ser licenciada em Letras Português 
e Literaturas  de Língua 
Portuguesa da UFSC (Universidade  Federal  de Santa 
Catarina); e especialista  em 
Planejamento  e Gestão 
de Negócios  pela 
FAE Business School de Curitiba (PR).
[iii] A palavra 
neorrealismo sofreu alterações com  a
reforma ortográfica que  propõe a unificação  da Língua 
falada  e escrita 
nos  países 
de Língua  Portuguesa, em  pleno  vigor  a partir  de 2009. Portanto , é possível 
encontrar  em 
algumas das bibliografias  a escrita  “neo-realismo” com 
hífen , mantidas nesse trabalho 
sem  correção 
quando  incorreram citações 
diretas entre  aspas ,
para  preservar  a originalidade  da expressão 
do autor  e o tempo 
de nascimento dessas obras . Contudo , é válido 
lembrar  que 
agora  temos a queda 
do hífen  e a grafia 
com  o dobro 
de “r”, para  escrever  a palavra  corretamente .
[iv] O professor titular da
Universidade de São Paulo, Massaud Moisés (2008) traz na biografia de Alves
Redol como nascido em Vila  Franca  de Xira, distrito 
de Lisboa, a 29 de dezembro  de 1911. De família  humilde ,
após  quatro  anos  de internato ,
em  que 
estudou contabilidade , entrou a ganhar  a vida 
trabalhando, inclusive  em 
Luanda (África), para  onde 
seguiu com  16 anos ,
e de onde  regressou em 
1930, rico  em 
experiências, mas parco  em  dinheiro . Em  dezembro  de
1939, iniciou a carreira  de ficcionista  e o Neorrealismo em 
Portugal com  Gaibéus, romance  que 
patenteava influencia da ficção  brasileira  do Nordeste ,
e da norte-americana , inspirada na depressão  dos anos 
30. “Assim como os contemporâneos da geração, havia descoberto semelhanças
entre o drama dos pobres gaibéus, autenticos servos da gleba, e os retirantes
nordestinos, escorraçados pelas secas e pela fome, e os “oakies” famintos e
miseráveis” (2008: 397). Redol faleceu em 
Lisboa, a 29 de novembro  de 1969.
[v] O muralismo mexicano pertence  a uma tendência 
de arte  inaugurada no início 
do século  XX, feita 
em  espaços 
públicos  e não 
privados , onde 
os temas  são 
trabalho , cultura 
indígena  e a revolução 
mexicana de 1910-1920. (OLIVEIRA : 2010)
 


 
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