quinta-feira, 18 de julho de 2013

ENTREVISTA - Cá entre Educadores


 Em “A Arte da Entrevista”, organizado por Fábio Altman com desenhos de Cássio Loredano, temos os jornalistas revelando todo o ato de se aproximar de seus entrevistados, os primeiros contatos com aquela “figurona” histórica. Como na página 244, quando Pete Martin narra que “O escritório de Alfred Hitchcock ficava no primeiro andar do Studio Paramount. À medida que eu ia entrando, tudo aquilo voltou. Eu estivera naquele escritório antes, para conversar com Frank Capra ou com Willie Wyler – não consigo recordar com qual dos dois. Foi há muito tempo, e tanto Capra quanto Wyler já saíram da Paramount. Pelo que sei, devem estar voltando. As coisas acontecem desse jeito em Hollywood”. (...)
A conversa entre eles, que vem em seguida, foi publicada no The Saturday Evening Post, em 27 de julho de 1957. Isso foi há 56 anos, eu nem sonhava em nascer. Mas remexendo em meu portfólio de uma década na tarde deste 18 de julho de 2013, resolvi “parodiar” o livro, com um pequeno fragmento de meu trabalho como jornalista.



Minha singela arte de entrevistar

Publicada originalmente em 4 de fevereiro de 2010, a entrevista que fiz com o educador Mario Sergio Cortella me promoveu um mergulho em minha formação. Desde quando a entrevista foi agendada, via telefone, para pessoalmente às 16h do mesmo dia, no Hotel San Pietro em frente a tradicional praça de Pato Branco, mergulhei nas tantas leituras de Paulo Freire que fiz nas duas graduações. Para mim seria uma honra entrevistar um homem que conviveu com esse ícone da educação brasileira por 17 anos. Mais que isso: Cortella havia sido orientado por Freire em seu doutorado.
Cheguei ao San Pietro impulsionada pelas expectativas de falar muito sobre “educação”. O assunto é tão encantador por si só, e eu na ocasião aprendendo os caminhos para ser uma educadora, no meio da licenciatura em Letras Português e Literaturas em Língua Portuguesa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), reuni toda minha técnica jornalística para receber Cortella na sala de recepção e coletar dele o melhor do assunto.
Barba cerrada, palito azul marinho acompanhando camisa e calça jeans e um sorriso constante e motivador na face. Meu entrevistado tem impostação firme de voz e se demonstrou muito simpático todo o tempo em que eu transbordava meus conhecimentos acadêmicos, costurados com a obrigação de levar o mais interessante texto aos leitores, na edição do próximo dia. Acompanhe...

(Texto original, publicado no Diário do Sudoeste de 4 de fevereiro de 2010)


O perfil do educador do século XXI 

se inspira no passado

Daiana Pasquim
Pato Branco - PR

A docência exige muito mais gerúndio do que infinitivo. Filósofo por formação, é nas formas nominais de verbos da Língua Portuguesa que o professor da PUC-SP e doutor em Educação, Mario Sergio Cortella, que palestra às 20h deste 4 de fevereiro (2010) no Clube Pinheiros, busca conceitos para resumir o que deve ser o perfil do educador do Século XXI. Orientado pelo educador Paulo Freire em seu doutorado, com o qual conviveu por 17 anos, Cortella chegou a Pato Branco no final da tarde de ontem (03/02/10) e atendeu com exclusividade nossa reportagem:

Afinal, qual deve ser o perfil desse educador?
Cortella - Os modos de fazer, de aprender e de ensinar mudaram rapidamente com os tempos e para cumprir com as exigências do mundo da capacidade de aprendizado, o educador do século XXI tem que ter um perfil apoiado na ideia do homem do século oitavo, chamado Beda, um grande britânico que os anglicanos chamam de São Beda. Ele diz: há três caminhos para o fracasso: 1- Não ensinar o que se sabe; 2-Não praticar o que se ensina; 3- Não perguntar o que se ignora. Vamos inverter. Há três caminhos para o sucesso: 1- generosidade mental, isto é, ensinar o que se sabe; 2- Coerência ética, ou seja, praticar o que se ensina; 3- Humildade intelectual, isto é, perguntar o que ignora. O perfil principal de um educador e educadora nesse tempo é ficar atentos a poder praticar o que ensina, ensinar o que sabe e perguntar o que ignora. Num mundo de mudança veloz, em que vários valores foram alterados na relação com a sociedade, a família, a mídia e a gestão pública, não nos cabe mais supor que a gente já esteja qualificado no exercício da docência. Nós somos agora qualificantes, então por incrível que pareça, a docência exige muito mais gerúndio do que infinitivo.

Como fica na prática essa relação, já que o Brasil é um dos países com os piores índices de alfabetização no ranking mundial?
Nós temos um baixo índice de escolarização, mas não necessariamente de educação. Quero dizer com isso que uma parte da nossa população, embora não tenha escolarização, tem um nível de alfabetização digital que ultrapassa o de vários países do mundo, em função até de, por exemplo, sermos o único país que tem uma eleição totalmente informatizada. As pessoas, numa tarde de sexta-feira, vão ao banco retirar aposentadoria no caixa automático e isso não acontece na Alemanha, no Canadá, pessoas de idade não fazem isso. Claro que não é uma posição triunfalista, supor que nós estamos bem. Enquanto somos a oitava nação mais rica do planeta no ponto de vista econômico, somos o de número 66 em educação escolar. A nossa educação no sentido musical, convivência interétnica, inter-racial e nossa capacidade inclusive, de lidar com a complexidade dos relacionamentos é mais extensa do que se supõe, mas nossa escolarização é muito baixa. Isso é absolutamente agressivo em relação a uma nação que tem uma condição econômica privilegiada. Se imaginarmos 192 nações filiadas à ONU, sermos a 8ª economia mais rica é algo estupendo, mas sermos em educação o número 66 é vergonhoso, porque a educação escolar também é um bem e, nesse ponto de vista, temos uma má distribuição dessa escolarização, que está altamente concentrada nos seus níveis mais elevados em algumas parcelas da população. Nós não temos muito tempo para isso, no mínimo se espera que até 2022, até completarmos 200 anos da independência formal, a gente tenha recuperado essa indigência vergonhosa em relação aos nossos índices de escolarização.

Poderia indicar alguns caminhos para conseguir chegar a um maior equilíbrio?
Nos últimos 15 anos tivemos avanços significativos. Temos hoje quase 98% das crianças na idade constitucionalmente obrigatória de 6 a 14 anos matriculadas. Temos nível de jovens muito elevado no Ensino Médio, embora ainda seja restrito para um universo geral. Houve uma explosão de matrículas no Ensino Superior, do ponto de vista quantitativo, mas por outro lado, temos ainda níveis sérios de depreciação da qualidade. (...) Nós iniciamos essa trajetória, mas gosto de dizer que estamos apenas no fim do começo e não no começo do fim (...).

Na prática, quantos anos seriam possíveis para deixar um pouco mais justa essa balança?
Pelo menos uma década precisa ser completada a mais afora esses 15 anos. Nos dois mandatos iniciais do Fernando Henrique Cardoso e no mandato e quase dois terços do presidente Lula houve um avanço incrível na área de educação escolar com todas as condições de melhoria, processo de avaliação, melhoria de financiamento, mas isso ainda não é suficiente. Por mais que o ministro Fernando Haddad faça, de fato, um trabalho positivo e ele é uma pessoa especial nessa área, pois fazia muito tempo que alguém não se dedicava tanto à atenção básica, ainda assim nós precisamos no mínimo de mais uma década com investimento contínuo e a capacidade de formação de professores, de fazer com o que há de compromisso do cidadão em relação ao controle da educação pública municipal e estadual. Afinal vamos fazer 510 anos de fundação e a nossa miséria no campo da escolarização é muito alta. Uma década nos colocará em patamares bem superiores.

Nesse campo político, qual é a sua opinião a respeito do Enem, que primeiro passou por um processo de investimento alto, depois a desacreditação com as provas vazadas e o resultado final foi que 2 milhões de jovens não fizeram a prova, desperdiçando papel e para o meio ambiente. Como o professor avalia esse contexto do Enem, o governo conseguirá reverter essa imagem?
Nós não podemos abandonar a ideia do Enem. Ele é um horizonte a ser construído, fortalecido, melhorado e aperfeiçoado. É uma das maiores noticias da nossa história recente em educação. Há duas coisas que só existem no Brasil: jabuticaba e vestibular. Nesse ponto de vista, aquilo que países deixaram de fazer no começo do século XX, começamos a pensar em deixar no começo do XXI. Portanto, o Enem é sim algo a ser protegido, mas isso não significa que é a única forma de seleção. (...) Quando eu era menino na cidade de Londrina, onde nasci, existia duas etapas na Educação Fundamental, o primário e o ginásio eram separados e entre um e outro tinha o vestibular, chamado exame de admissão. Portanto, milhares e milhares de pessoas fixavam de fora (da 5ª série) porque não passavam no exame do primário para o ginásio. Quando em 1971 houve uma legislação que juntou o primário e o ginásio, houve uma grita geral dizendo que ia cair a qualidade, onde já se viu, não ter mais exame? Pois bem, hoje isso nos parece tão óbvio e a mesma coisa acontecerá com o Enem, se ele for melhorado. Houve descuido do Ministério da Educação para proteger uma ideia muito boa e por pouco não perdeu uma grande conquista a partir de incompetências. (...)

Como doutor em educação, qual é a sua opinião sobre educação a distancia, já que vivemos a era de não haver mais fronteiras e onde também a superabundância da informação é latente?
Não podemos nem ser vitimados pela informatofobia, que é o horror pelo mundo digital e nem ser possuído pela informatolatria, que é a adoração. As duas coisas são perniciosas. Numa certa maneira, a primeira ferramenta de ensino a distancia se chama jornal e livro. Portanto, a tecnologia em si mudou na sua configuração como plataforma, mas a ideia de educação a distancia sempre existiu (...). Hoje há uma alteração desse processo, o que não se pode é substituir a educação presencial exclusivamente pela à distancia, no sentido informatizado da expressão, porque a escola é uma experiência sociocultural insubstituível. A convivência e a possibilidade de troca de ideias aliás, a EAD quando é colocada exclusivamente de meio digital ou virtual anula algumas das conquistas que a escolarização coloca. Não sou contrário de maneira alguma, seria uma tolice descartá-la, mas também não sou alguém possuído pela ideia de que a EAD é redentora, inclusive por ter se tornado um negócio, participa no Brasil em vários momentos do que eu chamo de delinquência mercantil. (...) Muitos fazem dela um filão que bate e facilita a patifaria pedagógica.

Como vê o fato de universidades federais de renome aderirem como uma nova alternativa de ensino?
A primeira universidade do Brasil que fez isso foi a Federal de Santa Catarina. Não foi uma universidade privada que trabalhou essa ideia. A UFSC criou há mais uma década toda uma lógica de plataforma a distancia nesse campo e portanto, ela avançou imensamente. Aliás, a Universidade de São Paulo, a Unicamp e a Unesp, três grandes estaduais paulistas têm hoje universidades virtuais também. Ninguém supõe que substituirá o presencial na totalidade, pois não teria nexo, por outro lado recusar essa percepção é deixar de lado algo que simplesmente derruba as paredes da sala de aula. A transformação de átomos em bits é um sinal de inteligência dos tempos que estamos vivendo. Se a Federal de Santa Catarina nos cacifou na última década é a partir do olhar sobre ela que nós temos que avançar (...)

E para fechar, como foi conviver com Paulo Freire por 17 anos?

Não sou um seguidor do Paulo Freire, porque ele não era um pastor, um sacerdote. Sou sim um aluno dele. Ele me ensinou durante muito tempo, tive a convivência por 17 anos e ela não é suficiente para supor que eu entenda o conjunto da obra do Paulo Freire. O estudo sempre para continuar aprendendo. Conviver com um educador do porte dele é algo especial na minha trajetória e qualquer pessoa gostaria de vivenciar essa situação. Para mim não foi só uma honra, foi um encargo na medida em que Paulo Freire era um homem absolutamente afável, muito bem educado e carinhoso, mas exigente. Ele não admitia em nenhum momento a negligência. (...)

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