quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Desvendando os mistérios da torre


  
Daiana Pasquim
Pato Branco (PR), 28 de setembro de 2009
Poeira de 50 anos. Escada sem corrimão. Imagens antigas de santos de madeira. Muita adrenalina e medo e uma máquina fotográfica em mãos. Nunca antes em minha vida tinha sonhado subir na torre da igreja, quanto menos no forro, ficando bem próxima do telhado, mas meu envolvimento com as publicações que tenho escrito sobre a reforma da Igreja Matriz São Pedro repercutiram de tal forma que não seria prudente de minha parte deixar de conhecer de perto o motivo de que tanto estava falando.
A decisão de subir veio de repente. Sem pensar muito. Fui até a igreja na manhã daquela segunda-feira (28/09) com o objetivo de fazer a matéria do alagamento causado pela tempestade do domingo, o que reiteraria a necessidade de intervenções no telhado da igreja. No meio da entrevista, a deixa: se você subisse lá veria as reais condições... Pronto. Quando desliguei o gravador perguntei: você disse, subir lá, o que acha? Podemos? É muito difícil? Minha pergunta foi recebida com incredulidade. Está certo. Eu também sempre achei que isso fosse tarefa pra homem. Naquele momento também pensei em minha camisa alva que havia vestido há pouco mais de uma hora. Estremeci e pensei, o que eu vou fazer? Tenho um filho pra criar, e seu eu cair de lá? Mas por outro lado, a realidade chamava: daqui a uma semana a reforma começa e daí, adeus tour religioso. Nunca mais poderei. Rapidamente, foram em busca da chave com o zelador da paróquia, o competente e simpático Onécio Venturin, 68, há 24 conhecendo todos os detalhes da matriz.
Essa foi a primeira matéria de grande importância que fiz na vida sem anotar nada em papel, só em minha memória fotográfica. A única exceção foi o nome de meus guias e colaboradores nessa empreitada: o presidente do conselho administrativo da Paróquia São Pedro Apóstolo, Vilson Dallacosta; o membro do conselho administrativo, Paulo Sartor; e o zelador da Paróquia há 24 anos, Onécio Venturin.
Ainda tremo de lembrar. Tive medo, confesso. Mas tudo valeu a pena. Começamos a subir a torre do relógio da igreja e, a cada degrau, dos mais de 200, desvendava um pouco da curiosidade sobre conhecer o coração das badaladas que marcam o passo do centro de Pato Branco. Há poucos minutos havia escutado que a intenção é transformar o acesso ao local mais facilitado e seguro, para que principalmente os estudantes dos cursos de arquitetura e engenharia que temos no município pudessem fazer visitas ao patrimônio mais valoroso que ainda temos construído. A iniciativa realmente vai fazer muitos felizes. Nem todos têm a oportunidade de conviver ou conhecer mais a fundo a obra de um artista sacro, como a do arquiteto Benedito Calixto de Jesus Neto, o mesmo da Basílica de Aparecida (SP).
Uma porta foi aberta, dando acesso a um corredor terminado em cimento bruto e, por ser escuro, parecia bem menor. Lances curtos, sinuosos e o primeiro nível da torre se descortinou para meus olhos. As paredes eram forradas com armários de madeira maciça e guarda-roupas antigos, onde o marrom estava acentuado pela poeira. Cobertos pelas marcas do tempo estavam surpreendentemente alguns santos de madeira, quem sabe já não tão úteis. Imagem impressionante a ponto de eu não reconhecer se era São Pedro, São João, São Francisco tenho certeza que tinha. Bem no meio da sala, um recorte no chão coberto por um tablado de madeira. Perguntei: o que é isso? “Faz parte da estrutura do relógio”, explicaram.
Também vi duas raridades: quadros de 1,5m por 1m, com traços já bem apagados, representavam os desenhos originais, projetados por um escritório de Curitiba, das duas outras propostas arquitetônicas apresentadas para nossa igreja na época. Não sei se por paixão já, mas a que mais gosto é a edificada até hoje com a dedicação dos pioneiros do final da década de 1950 e do começo de 1960. De estilo neo-basilical, a Matriz São Pedro de fato lembra muito a Basílica de Aparecida. Já fiquei longos minutos contemplando as duas fotos. Busquei o melhor ângulo, evitando as réstias das janelinhas da torre e fotografei os quadros. O posicionamento ideal implicou pisar no tablado de madeira do relógio. Tudo certo. Paulo também fotografou e logo os quadros foram virados novamente de frente para os armários numa tentativa de preservar melhor os traços na batalha contra o tempo. “Deveriam estar guardados em outro lugar”, reconheceram. Eu sugiro uma exposição nas paredes da Casa Canônica.
Para chegar ao segundo nível da torre tive que segurar a respiração. Foi preciso subir estreitos degraus de madeira, num trecho sem corrimão. Ai ai ai. Segurei na parede e não mexi mais nada além do dobrar de joelhos e pés. Chegamos ao local da máquina do relógio. Outra espécie de armário ou caixa de madeira fechada à chave guarda as centenas de engrenagens que, simetricamente, ditam o tempo pato-branquense. Fiz uma série de perguntas: Quem faz a manutenção do relógio quando estraga? Ele é só mecânico ou tocado a energia também? São três pêndulos? “O frei Nelson Rabelo que vem consertar. Ele tem um gerador que é acionado para puxar os pêndulos quando bate uma hora. Tem três pêndulos”, explicou o zelador Onécio.
Mais um lance e vimos a imensa estrutura de madeira, disposta na horizontal, com fios à direita e esquerda ponteados por dois redondos relógios pequenos. Mais um lance de escadas e chegamos a continuação da engenhoca, uma espécie de andaime do sino - numa sala também molhada pela chuva – ostentado na parte mais alta. É dali que saem os sons. Apontaram-me os martelos de ferro provocador das badaladas e contaram como funciona o sino. Um leve balançar e um dlom... só pra me mostrar, saiu fora do compasso do intervalo religioso de 15 em 15 minutos. Que orgulho! Obrigada. Tentei fazer as melhores fotos possíveis, mas a estrutura era grande demais para caber, de uma só vez, na lente da teleobjetiva. Se fosse uma grande-angular... pensei. Há também o alto falante, que reproduz o som na cidade.
Voltamos dois lances de escadas. Tive que pedir o ombro e uma descida lenta ao sr. Onécio, não para respeitar seus cabelos brancos, mas sim o meu temor em conseguir ter forças de descer a escada estreita de madeira sem corrimão. Ouvi umas três vezes: “se você travou para descer a escada não vai conseguir ir até o telhado”. Ai, mexeu com os brios. Vinha com promessa: “será uma aventura”. E eu estava bem motivada. Dallacosta mostrou o percurso e eu não quis acreditar. As pernas bambearam mais. Um travessa de madeira, uns 70cm, ligando a mureta da escada a uma janelinha que dava acesso ao forro. Olhei para baixo e vi todos os lances que ficavam em baixo. “Não vou conseguir”, bradei. Fui retrucada com uma série de incentivos. “A gente te ajuda. Eu seguro a máquina para você entrar. Põe o pé aqui, se apóia, escorrega aqui e pronto, é fácil. Você verá todo o telhado e o forro”. Minha razão dizia não, por isso não me permiti pensar. Fui logo levantando o pé em direção a mureta e quando vi, estava sentada no tablado. Agora, melhor que voltar atrás, só me restava escorregar. Uma abertura do lado direito dava acesso ao ar livre, bem mais próximo do céu. Vi todo o telhado de um ângulo único. Sugeriram até que poderia subir ali para fotografar. Não me encorajei para tanto. “Põe o pé aqui. Ande por essas tábuas”, orientou Dallacosta. Disparei a fazer fotos. A pouca luz, em si, era um convite para soltar o flash e poder, no visor de 3 polegadas, visualizar os detalhes que a olho nu ficavam distantes ou perigosos demais para acessar.
Nessa hora passou um filme pela cabeça, trazendo flashes da proposta de reforma, e não restauração. A proposta do Conselho Administrativo da Paróquia é trocar o telhado atual de peças de barro em função do peso, por folhas de aço zincado. Além de já não mais possuírem o assentamento correto por terem perdido as garras, cada metro quadrado de telhas pesa 65kg. A nave do telhado mede 1.800 m2, o que soma um total de 117 mil kg sobre a cabeça dos fiéis.
O cenário compensa. Estava na região em cima do altar. Entre o forro e o telhado. Fiz uma foto histórica, tenho certeza. As telhas de barro, perfeitamente irmãs, seguradas por madeira seleta, preparada pelos pioneiros. São essas as vigas serradas por José Viganó e família, que já havia apresentado em matéria há alguns dias, acompanhada da foto possivelmente feita em 1963. Um pinheiro para cada viga. Estiquei os olhos, mas não localizei propriamente imperfeições nas tesouras de madeira.
Revelar nesse conto a visão introspectiva e feminina do que vem a ser um “passeio” na torre da igreja em 2009 me causou emoção. Sim porque, no próximo ano, em abril, quando a reforma que começa dia 5 de outubro ficar pronta, o cenário será outro. Com troca completa nas instalações elétricas que hoje botam medo e a melhoria de acesso, o telhado da igreja pode sim se tornar um ponto turístico ou de estudo. Encarei com a postura de uma historiadora desvendando os mistérios da torre, atestando meu papel como jornalista em poder levar para a sociedade uma centelha de sensações daqueles caminhos de acesso restrito.
No fundo, os “mistérios” são mais uma construção interna de minhas expectativas íntimas do que propriamente do espaço que visitei. A ligação está na condição sublime que conhecer o “esqueleto” da casa de Deus. O templo onde as pessoas vão buscar forças e levar suas angústias, procurar conforto e o eixo sublime que as possa conduzir nas provações da vida. Aquele local onde meu olhar e pensamento já ficaram imersos por longos minutos olhando para o mosaico, em todas as fases de construção até ficar totalmente pronto. “Como é alto! sublime”. De repente, me vi em pé acima dele. Desci e tremi o restante do dia.

Melodias Traçadas



O processo criativo do chargista e arte-finalista do Diário do Sudoeste, Lucas Piaceski, que já compôs mais de 200 músicas e 40 melodias

Daiana Pasquim
Curioso é que quem criou essa página foi a própria fonte. É raro isso acontecer, para não dizer impossível. Mas nesta capa de hoje trazemos o perfil do chargista do Diário do Sudoeste Lucas Piaceski, que é também arte-finalista do jornal, mas ocupa grande parte de sua vida como compositor e cantor. Ao revelarmos detalhes disso, não seria demais dizer que essa capa é sobre o talento. Lucas Piaceski tem o genoma de Eric Clapton, Neil Young, Ray Charles, Jimi Hendrix, Bob Dylan e Miles Davis, mas é um ser único. Uma releitura própria. “Tenho sorte de ter boas influências musicais, que sempre apareceram involuntariamente para mim. Na verdade, aparecem pra qualquer pessoa, depende de você querer viver na poesia do Bob Dylan ou no choro do Luan Santana”. Entre o rol de influências musicais bem pautadas no jazz, blues e funk, se for para se conceituar, resume “Sou um cantor de blues. Quem me assistir tocando pode dizer “isso não é blues, esse cara engana as pessoas”, pode até ser verdade, pois todo musico é mentiroso, mas se prestar atenção nas minhas musicas, vai achar vestígios de blues em todas elas”, comenta.

Aldeia Musical e bandas
Essa prova de originalidade poderá ser medida justamente neste domingo (31), na 3ª etapa da “Aldeia Musical” realizada pelo Sesc Pato Branco, a partir das 18h. Antes da banda Paraná Blues se apresentar, o palco do auditório é de Lucas Piaceski, que fará covers de Bob Dylan, Neil Young e The Band, mas metade do show será de músicas compostas e criadas por ele mesmo. Uma oportunidade ímpar de mostrar a essência de sua arte. Entre elas estão Name In The Fire, My Boss and your Prostitutes, Moving Like Stones e uma que concluiu no último final de semana e ainda está escolhendo o nome perfeito, mas deverá se chamar Swift and Clean, que nasceu numa nova fase do cantor. “Tocar sozinho é muito gratificante e livre, mas muito mais difícil, porque não existe uma banda pra te apoiar se você errar. É uma apresentação de identidade, as pessoas vão ver quem você é de verdade”.
Certamente, vai ser uma experiência bem diferente da que vem vivenciando com a “The Loco Motive Blues”, a banda composta por nove músicos profissionais, que em dois shows no Bauhaus Club e Porão neste mês de julho fez a galera vibrar. Os próximos serão em agosto, no Casamata dia 20; e no Confidência, em Francisco Beltrão, dia 27. “Sempre quis tocar em uma banda, então qualquer oportunidade que aparece de entrar em uma banda eu vou agarrando, mas tocar em duas já está bom, não pretendo entrar numa terceira banda. Tenho sorte de tocar com grandes músicos da cidade. Para começar, o trio, “The Propellers”, que surgiu de ensaios numa estufa de pintura, com o baterista, Luis Henrique e o baixista, Matheus Angeli. Mais recentemente com a Loco Motive Blues. A banda está tomando uma proporção cada vez maior, pois envolve muitas pessoas”, comenta satisfeito.
Desde a gravação do seu CD demo, em 2009, vive um crescimento sutil, mas meteórico. Entre os seus planos futuros está um acústico romântico. “Estou com um projeto já faz algum tempo, de gravar dez músicas com apenas violão e voz. Todas estão escritas em um livro azul e pretendo dar vida a elas em estúdio no próximo mês”. Escolher o repertório é a questão. Lucas Piaceski já compôs mais de 200 músicas, todas em inglês. “Claro que nem metade disso virou música completa. Pra compor você tem que estar constantemente tentando, imagina que dessas 200 sobraram apenas umas 40”.

Se lapidando
Um artista está sempre se lapidando, mesmo que involuntariamente. Mas no último ano, Lucas deu um salto criativo grande e trabalha suas composições com alto nível de exigência, escolhendo cada palavra. “Quando acontecem mudanças na sua vida, reflete totalmente nas músicas, pra melhor ou pior. Minha sorte é que dei um salto positivo e estou com mais inspiração do que nunca pra escrever. Pra nascer uma boa música você deve escrevê-la com toda a sinceridade do mundo, sem enganar a você mesmo ou a quem vai escutar a música depois”.
Soma-se a isso o fato de ter começado a trabalhar como arte-finalista no Diário do Sudoeste, onde simultaneamente aperfeiçoou sua veia de desenhista. Como a cabeça funciona pra administrar tudo isso? “Se você não organizar as idéias, com 20 anos é capaz de já perder todos os cabelos. Gosto de separar as idéias por setores, se você deixar as coisas misturarem, vai perder o controle e o equilíbrio. Não tem como escrever uma música de amor e desenhar uma charge sobre o aumento da inflação ao mesmo tempo, não vai sair nada de produtivo”.
Desde os três anos de idade, ele sempre desenhou, apreciando bastante os tracejados de Benett, Paixão, Henfil e Marchesini da Gazeta do Povo, Glauco, Adão e Laerte, e os internacionais, como o Glenn MacCoy, do New York Times e Saul Steinberg. “Era de brincadeira até eu entrar no Diário. Quando as charges começaram a ser publicadas fiquei muito satisfeito, porque foi a primeira vez que meu trabalho se tornou público e os desenhos ganharam forma e vida. Agora tenho que desenhar pro jornal e não só pra mim”.
As da vez são Cafife Total, publicadas nas páginas centrais desse Caderno 2. “As tiras do Cafife Total são meio malucas, são linhas de pensamento que gosto de compartilhar. Falam de problemas clichês da sociedade moderna, podem falar desde brigas de casal até críticas a cirurgia plástica desnecessária. Abrange problemas comuns e complexos, de forma descontraída. Às vezes a tragédia é tão triste que você tem que amenizar com uma piadinha. Pretendo publicar as tiras todos os dias na pagina de variedades do Diário do Sudoeste, assim que tiver material e tempo suficiente pra isso”, comenta.
Como as ilustrações são publicadas gradativamente, diz que ainda está conquistando espaço. “Estou no processo de “acostumar” o leitor comigo fazendo gracinha e criticando todo dia. Mas já recebi boas respostas de vários amigos e conhecidos com as tiras, charges e ilustrações. Espero continuar deixando meu traço cada vez mais familiar e característico e deixar que o leitor crie uma identidade própria pra isso”.

Arte francesa no supermercado


Em um mês, as artesãs Izabel e Rubia confeccionaram 26 quadros na técnica ainda inédita para exposições em Pato Branco

Daiana Pasquim
Enquanto as rodinhas dos carrinhos circulam barulhentas, eles estão ali singelos, compondo o ambiente. Mas quem arrisca olhar um pouco para cima enquanto passa, logo por eles é tocado. São os 26 quadros feitos com a técnica de arte francesa, expostos no hall lateral de um supermercado de Pato Branco, por onde passam os clientes no acesso ao estacionamento. Os quadros foram criados pela artesã e artista plástica em Pato Branco, Izabel Cristina Malinovski e a engenheira agrônoma e artesã Rubia Cristiani Camochena, no tempo recorde de um mês, especialmente para serem expostas no supermercado. As obras estão no Espaço Cultural Artista de Nossa Terra, aberto pela empresária Ana Paula Slonski, para ser um local que se destina a valorizar, divulgar e engrandecer a arte de Pato Branco e região, desde 2 de maio de 2008. 

Relevo e profundidade
A arte francesa consiste na sobreposição de gravuras de papel para transformar a imagem plana em outra com relevo e profundidade. Izabel é artesã há oito anos, sendo que há quatro abriu um atelier aonde ensina, além da arte francesa, também as técnicas de se trabalhar com madeira, sua especialidade, além de forragem com tecido, patchcolagem e patchwork. Com o atelier junto à casa no Jardim Primavera, fez da arte uma profissão mantida pelas aulas e a venda das obras. Os 26 expostos no supermercado com a sócia Rubia variam de R$ 65,00 a R$ 375,00.
Izabel costuma participar de eventos e exposições em centros como São Paulo, buscando aperfeiçoamentos na área do artesanato. “Antes, a arte francesa era mais em linha reta. Agora trabalha muito o formato, para tornar as figuras mais naturais. São colagens de vários papeis, com silicone, para deixar o papel boleado, trabalhamos e fazemos o corte para dar as formas para a figura, de forma a deixar o mais natural possível”, explica a artesã.
Elas programaram diferentes obras, envolvidas por molduras texturizadas e vidro. “Como artesã, a gente inicialmente pensa em fazer para vender, sem pensar tanto em ser reconhecida, mas várias pessoas têm telefonado. Dá orgulho como professora de artesanato, ser reconhecida. O artesanato tem crescido bastante, mas o pessoal de modo geral não valoriza muito ainda”. Para os interessados em aprender as técnicas da arte francesa ou o trabalho com madeira, o telefone do Shopping da Arte é 3224 4043.
No supermercado, existe o encontro da minusciosidade do trabalho com o popular, aonde a arte convida para frear um pouco os “rolamentos” da vida, para apreciar. Quando for às compras, olhe para cima.

Ecos resplandecentes das vozes femininas






Daiana Pasquim
No reflexo no espelho não temos só duas mulheres com perfis diferentes. Temos uma representação da literatura brasileira contemporânea, aonde a escrita feminina ganha cada vez mais espaço, embora não se possa fazer da literatura um lugar para a divisão de gêneros. Mas elas têm muito em comum. A catarinense, roteirista de TV e escritora Adriana Lunardi e a gaúcha escritora, jornalista e mestre em Teoria Literária Cíntia Moscovich começaram a carreira literária juntas, com livros de contos. Esta, com “Reino das Cebolas” e aquela com “As meninas da Torre Helsinque” impulsionados em 1996 por um financiamento da Prefeitura de Porto Alegre (RS), o Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural (Fumproart).
Ouvindo o percurso como escritora que cada uma delas trilhou, não parece simplório perceber que para conseguir crescer e ser reconhecida como uma profissional da escrita deve-se mesmo buscar bolsas para escritores, financiamentos artísticos e culturais e projetos literários. Fato, é que ambas hoje são dois nomes que ecoam na literatura brasileira contemporânea, como mulheres que sucederam a ruptura do Modernismo somado a Raquel de Queiroz, Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles – nomes isolados até 1960 – serem bastante boas para referendar hoje esse lançar de novos olhares sobre o fazer ficção. Na última quarta-feira (17), Adriana e Cíntia foram as estrelas do “Vozes femininas”, dentro do ciclo de “Autores & Ideias”, recebido pelo Sesc Pato Branco. Antes mesmo de se abrir essa janela para o encontro entre o autor e o seu público, fomos conversar com ambas no Hotel Loriza, aonde estavam hospedadas. Uma conversa agradabilíssima revelou as nuances aguerridas para se tornar uma escritora: estudo, pesquisa na área, determinação, autocrítica como um crivo inicial, uma boa dose de talento e sim, sorte.
“A gente precisa de sorte também. Esse é o elemento. Eu sei que eu tenho vocação para a escrita. Algum talento devo ter, embora duvide quase sempre do tamanho dele, mas acho que isso tudo, mais o trabalho duro que tem que ser feito, se pode ter e fazer tudo, mas também tem que contar com a sorte. Eu não posso me negar a admitir que eu tive muita sorte”, menciona Adriana Lunardi. O seu pé de coelho foi estar no lugar certo. Com a mudança para o Rio de Janeiro, em 1999, ela se inscreveu e recebeu a bolsa para escritores da Fundação Biblioteca Nacional e foi indicada ao prêmio Jabuti com o livro de contos “Vésperas” - uma homenagem a grandes escritoras, transformadas em personagens e retratadas na sua solidão, ambiguidades, paixões e angústias. A idéia de morte, sob diferentes focos, perpassa o livro, escrito como uma prosa poética. São nove histórias, cada uma delas envolve uma personalidade da literatura: Virginia Woolf, Dorothy Parker, Ana Cristina César, Colette, Clarice Lispector, Katherine Mansfield, Sylvia Plath, Zelda Fitzgerald e Júlia da Costa. Adriana Lunardi valeu-se de detalhes biográficos dessas mulheres, combinou-os com a sua ficção e, nos contos sobre Woolf, Parker, Colette, Mansfield e da Costa, intui e descreve os últimos dias e momentos de suas vidas.
“É um prêmio para escritores que estão com obras em andamento. Apresentei cinco contos, descrevi qual seria o projeto e ganhei essa bolsa para terminar a escritura do livro. Aí tive a sorte de poder chegar a uma editora de porte nacional, como a Rocco, com um original premiado, o que me abriu as portas da editora. Eu cheguei com a bolsa nacional que tem muito prestigio, por ser um dos poucos prêmios dados pela Biblioteca Nacional. Consegui publicar por uma grande editora e esse foi um livro que veio no momento certo de ter sido escrito e publicado”. Em sua predileção, Adriana é muito leitora da Katherine Mansfield, Virginia Woolf e Clarice Lispector. “São as minhas queridas”.

O mistério do conto
A jornalista e mestre em Teoria Literária, Cíntia Moscovich diz ter se saturado da redação, deixando há cinco anos de ser a editora de livros Zero Hora. Hoje ela está vinculada a Editora Record, do Rio de Janeiro, para a qual está escrevendo o livro de contos “Essa coisa brilhante que é a chuva”, impulsionada pela bolsa de criação literária que ganhou da Petrobrás. Seu projeto de lançamento atrasou em função de um câncer e ela reclama um pouco da promiscuidade de escrever em casa, aonde a vida doméstica se (com)funde com a profissional. Apesar do benefício de estar em seu lar, tem que combater os ruídos infantis de uma creche instalada ao lado de sua casa, escrevendo bem mais nas madrugadas, apesar de confessar produzir melhor à tarde.
Cíntia é daquelas que estampa uma autocrítica ferrenha, o que, teoricamente, se faz uma rocha para receber os desgostos alheios, não que precise. “Fiz muitos contos, alguns que nunca publiquei, mas devo ter feito uns 50 contos, o que não é grande ciosa. E não bastasse não ser grande coisa esse numero, não sei de qual eu gosto mais, mas sei que eu não gosto de uns 20 desses que nunca publiquei. Cada um tem um problema. Na maioria das vezes, acho que eles estão muito óbvios, tendendo ao lugar comum, tendendo a pegadas “sentimentaloides”, com sentimentalismo meio desnecessário. Em grande parte deles, eu sei que escrevi demais, só que não estou vendo ainda aonde cortar. Então, esses são motivos suficientes para que eu não goste deles. Escrevi demais e não sei aonde cortar? Não está bom”, determina.
Nessa finesse, Cintia talvez seja a pessoa certa para revelar qual é o mistério do conto? “O mistério do conto é o próprio mistério da literatura, mas elevado a uma potência muito maior. O segredo do conto é contar uma história de forma não evidente e não óbvia, ocultando algumas partes, mas levando o seu leitor a entender o que está oculto, com base naquilo que está aparente. Será que dá para entender? Esse jogo de ocultamento é o grande lance do conto e a grande dificuldade de autores que iniciam, para poder entender a medida do que se vai ocultar e o que se vai deixar aparente no que se está contando”, teoriza.
Sem qualquer hesitação, afirma que a escrita feminina não pode ser identificável. “A concepção de literatura não engloba a questão de gênero, o sexo e gênero da pessoa é uma questão extraliterária. Não está incluído. A literatura é uma questão estética. Não há uma questão de gênero. (...) Considerar que existe uma literatura feminina é estar reduzindo o próprio papel da literatura, o conceito que temos sobre ela”.
E com a praticidade gaúcha, é realista ao detalhar não ser uma fácil missão viver da escrita. “Para se trabalhar como escritor há de se ter outros trabalhos. Dou aula de criação literária, tenho uma oficina na minha casa, viajo pelo interior dando aulas. Venho para o Paraná pelo SESC para falar com as pessoas sobre literatura, escrevo para jornal, revista, escrevo orelhas de livros, resenha. Tem um varejo que a gente tem que atender para poder viver de literatura”. Assim, ela conclui seu ensaio dando as glórias ao que chama de “Tio Sesc” como um precursor e incentivador da literatura contemporânea. “O Sesc é genial. Eu tenho ido a lugares bem remotos. O dia que a gente for contar a história da cultura no Brasil tem que ter o nome do SESC. Ele chega a lugares aonde nenhum ministério, nenhuma secretaria de nenhuma cultura chega. E o SESC propicia isso. Essa visibilidade das escritoras contemporâneas também”.

Legenda
As escritoras Adriana Lunardi e Cíntia Moscovich percorreram o Paraná com sete encontros pelo “Autores & Ideias” do Sesc



Grãozinho do Sudoeste ganha palco na capital

Texto infantil de Vilmar Mazzetto vira espetáculo na Biblioteca Pública do Paraná

Daiana Pasquim
Era uma vez, um grãozinho que foi batizado de feijãozinho. E ele era apaixonado. Também apaixonante. Uma menina bonita chamada Fabiane de Cezaro, que virou uma alface em 2004, certa vez conheceu “O Grãozinho Apaixonado”. Ela alface, ele feijão, conviveram por 50 espetáculos, acompanhados da cenoura (Marco Aurélio Fraporti Vigineski), da banana (Anselmo Hofstatter), da ervilha (Maria Cristina Particheli) e do arroz (Valdecir Antônio de Lima). Todos os vitaminados, e o protagonista na época, Anthoni Quaglioto Cruz (Grãozinho Feijão) davam vida aos personagens do texto do sudoestino Vilmar Mazzetto, encantando crianças de Educação Infantil até o 2º ano do 2º ciclo do Ensino Fundamental, trilhando o roteiro de apresentações em Quedas do Iguaçu, Ampére, Realeza, São Jorge do Oeste, Marmeleiro, Mangueirinha, Pinhal de São Bento, Francisco Beltrão e Renascença.
Passados sete anos, a ex-aluna, mas eterna aprendiz daquele que foi o desbravador da dramaturgia no Sudoeste, a “alface” Fabiane de Cezare está se formando em Artes Cênicas em Curitiba, e sugeriu a representação do texto aos colegas de curso. O resultado? O texto do autor Beltronense Vilmar Mazzeto: O Feijãozinho apaixonado foi montado em Curitiba por um Grupo de artistas das artes cênicas e está em cartaz na Biblioteca Pública do Paraná, lotando o auditório em Curitiba. No dia 19 de agosto de 2011 a Cia. de Teatro Variados estreou o Espetáculo Infantil O Feijãozinho Apaixonado, texto de Vilmar Mazzetto, com pequenas adaptações, como a de nomear o antes “Graozinho” de “Feijãozinho”, autorizadas pelo autor.
A peça infantil tem como tema principal a importância das vitaminas dos alimentos, mas também trabalha o romance infantil. Na sinopse original, o espetáculo teatral "O Grãozinho Apaixonado", é um romance infantil, que retrata a chegada do Grãozinho de Feijão no jardim da Vó Viroca, de uma forma bem humorada. Onde já moravam: Alface, Banana, Cenoura, Ervilha e o Arroz. Todos se apaixonam pelo grãozinho e no decorrer do espetáculo cada personagem expõe seus defeitos e qualidades tentando convencer assim com quem ele irá se casar. Essa decisão só ocorre com a ajuda das crianças, que irão decidir com quem ele irá se casar.
A Cia. de Teatro Variados iniciou suas atividades no ano de 2011 em Curitiba, composta em partes por alunos da Faculdade de Artes do Paraná (FAP), os atores vieram de diversas regiões do Brasil para cursar FAP e desenvolver seus trabalhos artísticos. O bacana é que na encenação desate texto de Mazzetto há vários sudoestinos. Os atores são: Amanda Amaral (Cuiabá - MT), Fabiane de Cezaro (Coronel Vivida - PR), Guto Rodriguess (Ouro Preto - RO), Kaliupe Sachet (Cascavel - PR) e Maruca Franco (Rio Claro – SP). Direção: Evandro Teixeira (Coronel Vivida – PR).  Figurino: Gregory Martins (Blumenau – SC). Sonoplastia: Luiz Fernando Picolotto (Francisco Beltrão – PR). O criador da Sonoplastia morou por alguns anos na Itália e tem um gosto requintado e aguçado para música.

Mazzetto
Completando 25 anos de dramaturgia em 2011, Mazzetto está encantando com ter seu primeiro texto conhecido na Capital do Estado.
- É uma emoção muito grande. Eu sempre digo que um texto dramatizado para o teatro pode atingir de 100 a 120 mil crianças, mas um mesmo texto em forma de livro, nem todo mundo vai ler. A dramaturgia teatral alcança muito mais que um livro.  É uma emoção muito grande saber que estão apresentando na capital um texto meu. Isso ajuda a divulgar a dramaturgia do interior, comemora.
Se é que ainda precisa apresentações, Mazzetto foi precursor do teatro na região, quando criou a Cia de Teatro Théspis, a primeira do Sudoeste, mencionando Théspis, o primeiro ator na Grécia. Diretor da Cia, o que mais gostou de interpretar foi o bandido Berti Toga, de “Naufrágio de Ilusões”, que ficou dez anos em cartaz. Ainda ficou a vontade de fazer um louco. Atualmente, é o secretário de cultura de Renascença e presidente da 14ª Regional de Cultura do Paraná. Para ele, o mais interessante é fazer personagens bem diferentes de si mesmo, para se dar a oportunidade de pesquisar e conhecer mais.
- São quase 200 obras. Escrevi muito para criança daí fui fazer Magistério para entender esse universo infantil. Depois cursei Pedagogia. Parei de atuar faz dez anos, só dirijo e escrevo. A saudade do palco é grande. Às vezes eu digo: “que vontade de ir fazer esse personagem”. Mas ainda quero fazer um personagem bem torturante.
Sobre o crescimento de sua peça infantil, Mazzetto olha com serenidade, colhendo os frutos de um trabalho bem pautado. - Eu brinco que os pais de hoje eram as nossas crianças de 25 anos, então os pais incentivam a assistir. O teatro tem essa função de educar instruindo. Alem de a criança ter acesso, tem que ter cunho educativo e pedagógico. As vezes se consegue prender atenção de 1.200 crianças, o que parece ser impossível na escola. Segurar mil e poucas crianças em silêncio o tempo que tiver, só se for um trabalho bem feito.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A convergência da arte literária com jornalística pode estar numa caricatura. O brilhante arte-finalista e cartunista Lucas Piaceski me desenhou no dia 22 de janeiro de 2012, numa tarde de domingo, entre um plantão e outro. Amo vc! Amo tudo q vc faz!

Mosaico: personagens e autores pela nacionalidade[1]

Daiana Pasquim
Eis aqui um mosaico que compõe a identidade nacional, centrando o estudo em algumas obras literárias: poesias, prosa, ensaios, filmes, teatro e artes plásticas. Com isso, pretendemos observar o que é a nação brasileira a partir das manifestações culturais e literárias de autores e personagens que tivemos entre as fases do Romantismo e do Modernismo, com vistas a identificar e enaltecer esse povo ou a questão do nacionalismo. A base teórica utilizada para esta análise será as pinturas intituladas A Primeira Missa do Brasil, do catarinense Victor Meireles e de Cândido Portinari; o poema abolicionista Vozes d’África, de Castro Alves; o poema síntese da formação da raça brasileira, de Jorge de Lima, Essa Nega Fulô; a trajetória folclórica de Macunaíma, de Mário de Andrade; dos retirantes, segundo Graciliano Ramos, em Vidas Secas; e a literatura como forma de denúncia feita por Euclides da Cunha em Os Sertões e de Lima Barreto, em Triste Fim de Policarpo Quaresma.  Iniciamos o trabalho com alguns questionamentos gerais sobre essa formação, tendo como plano de fundo a deglutição proposta pelo Manifesto Antropófago (1928), de Oswald de Andrade. Posteriormente, faremos a descrição de algumas dessas manifestações que enaltecem a raça brasileira. Encerremos com as considerações gerais.
Incansavelmente, críticos literários e estudantes de Letras buscam a resposta exata que possa conceituar bem que é essa nação brasileira? Essa raça está muito além dos nomes desses autores, que podem facilmente ser vistos em qualquer cidade para identificar logradouros ou prédios públicos, está no final da estação onde tudo vira multidão, está no próprio povo, a começar pelos índios que povoavam o Brasil no período do descobrimento e que depois foram “dizimados” para dar lugar a uma nova nação: a dos verdadeiros brasileiros.
 Torna-se necessário, entretanto, afirmarmos que os índios não são brasileiros. É preciso dizer logo que o fato de os índios serem descobertos como moradores do Brasil não os tornava brasileiros. A questão aqui não é geográfica, mas sim, situacional e “sensacional”, na verdadeira etimologia do que significa sentir-se brasileiro. É válido lembrarmos que para ser brasileiro é preciso sim, ter o tempero indígena, mas para além disso, é mais do que necessário mesclá-lo com a “finesseestrangeira portuguesa dos Martin, a servidão e a vivacidade escrava das Negra Fulô, a catequização jesuíta tão rápida aos indígenas na primeira missa, retratada por Meireles, mas ignorada por Portinari nessa obra - o que denota que os índios são, para Portinari, aqueles que a observam. É preciso ainda refletir sobre a fome e a sede de comida, terra e cultura daqueles que têm Vidas Secas nos Sertões ou que se vestem de Policarpo Quaresma em busca da redescoberta dos valores brasileiros, expressa pelo nacionalismo, sem deixar de passar pelas trocas de favores materiais e carnais, para resultar num novo ser, repleto de significâncias, que até hoje ganha novos contornos e intriga analistas. Achar essa resposta implica em reviver a trajetória dos retirantes nordestinos confrontando com os luxuosos bailes nos salões cariocas, temperando com o folclorismo visto em Macunaíma num percurso norte a sul do País. Manifestando-se, Oswald de Andrade nota que o índio se tornou brasileiro quando conseguiu digerir a cultura estrangeira para se tornar melhor.
Outra parte da literatura procurou retratar essa raça trazendo a dramática consciência do ser diante de sua condição humana, como em A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa; e trazendo o conflito do homem com a natureza inóspita da qual ele não consegue se livrar, como em Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Buscando as vozes da África, vale apelar: “DEUS! ó Deus! onde estás que não respondes?/ Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes (...)?” No contraponto dos conflitos internos, destacamos como os brasileiros foram cordiais com os estrangeiros. Iracema é exemplo dessa simpática acolhida a quem veio de fora: primeiro dando uma flechada, mas depois entregando o coração. Veio a necessidade de buscar a gramática. Descrever em livros que cultura é essa, como um ensaio para domesticar a identificação do que deve ser nosso; vieram romances em prosa e poesia, manifestos modernistas, cheios ou não de estética. O que importa é o conteúdo: o convencimento de que é para ser nosso, mas alto . O manifesto antropofágico lido em 1928 aponta que não se deve negar a cultura do outro, mas ela não deve ser imitada. Serve de base apenas para nova produção e exportação. Esse esforço dos anos 20 do século passado tem repercussão até hoje. Esmiuçando uma dessas personagens criadas pela literatura para dar viés a essa nação, destacamos que mesmo quem não leu Macunaíma é capaz de compreender sua essência, pois quem não conhece o “velho jeitinho brasileiro”? Até os estrangeiros. Parte dessa segurança veio com o reconhecimento do que é nosso, embasado, por exemplo, na ideia de superioridade de nossa fauna e flora em relação à Europa.
O viés da literatura é um bom caminho para responder que nação é essa.  Foi o que fez José de Alencar com seus romances indígenas, criando a metafórica Iracema, tão ligada a América quanto Moacir, seu filho tido com o português Martin, é o filho da dor (brasileiro). Nessa seara veio Mário de Andrade criando um herói sem nenhum caráter que vive no universo do fantástico, para fazer o leitor entender que o Brasil pode ser percorrido deixando um pouco a “ética” de lado. Nasce então necessidades de denúncia, como a de Euclides da Cunha que faz mergulhar em Os Sertões e Lima Barreto, contando um triste fim daquele que luta pela nação, chegando até a propor ao legislativo instituir o Tupy como a língua oficial. A denúnciaforça à literatura. Sobre a questão do nacionalismo, as obras denotam o abismo existente entre aqueles interessados apenas em sua vida e seus próprios interesses, e as pessoas idealistas:
O major sentia bem aquele ambiente falso, aquelas alusões e isso mais aumentava o seu desespero e a teimosia na sua idéia. Não compreendia que o seu requerimento suscitasse tantas tempestades, essa má vontade geral; era uma coisa inocente, uma lembrança patriótica que merecia e devia ter o assentimento de todo mundo; e meditava, voltava à idéia, e a examinava com mais atenção. (1998: p.58)

Desse modo, concluímos que externar esse mosaico exige conseguir desgrudar os olhos das páginas dos livros acima mencionados, que têm a capacidade magnética de um imã, por fazer a mente mergulhar em busca dessa nação. A tarefa exige ousadia para misturar num mesmo caldeirão e tentar fazer caber na dimensão de uma folha de papel nomes como Machado de Assis, Sergio Buarque de Holanda, Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Castro Alves, Euclides da Cunha, José de Alencar, Lima Barreto, entre tantos outros. A deglutição nos tornou mais fortes. Tudo nasceu à custa da antropofagia, mesmo que velada, a que anunciou o modernista. Tem sido assim desde então: “nada se cria, tudo se copia” ou se transforma, seguindo as leis da Física e Química. Mas é de literatura que estamos falando e deve-se ter essa consciência de que foi “comendo a cultura do outro que fizemos a nossa”. Torna-se necessário enxergar como válido a tentativa sagaz de antropofagiar elementos culturais prontos para encaixar no nosso, solução encontrada por tantos até hoje para apresentar algo de novo. “De novo?”(!)

Referências
A Primeira Missa do Brasil , pintura de Victor Meireles
A Primeira Missa do Brasil, pintura de Cândido Portinari.
ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Agir, 2007.
BARRETO, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma. 5ª Ed. São Paulo:
FTD, 1998. (Coleção Grandes Leituras)
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Ediouro: 2003. (Coleção Prestígio)
 RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 106ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2008.
Essa Nega Fulo, poema de Jorge de Lima.
Vozes d’África, poema de Castro Alves



[1] Ensaio realizado na disciplina de Literatura Brasileira II, no curso de LetrasPortuguês, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), EAD Polo Pato Branco, semestre 2009-2, ministrada pelo professor doutor Marco Antonio de Mello Castelli.

Ultimatum’s para Portugal


Daiana Pasquim[i]

Há certas ocasiões em que é preciso dar um basta. Isso acontece com pessoas, com situações, com países. A história de Portugal e a sua literatura passaram por isso. O objetivo desse ensaio é buscar identificar manifestações onde o basta se tornou ponto de saliência para a construção (tentativa de) de uma nação. Para tanto, tomemos como exemplo os poemas de Almada Negreiros Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX e também o poema Ultimatum de Álvaro de Campos. Este, procura dar um basta a todas as interferências externas impostas ao país, negando a Inglaterra, a França, a Itália, Áustria, Bélgica, Alemanha, Rússia, Espanha e também os Estados Unidos, como qualquer outra nação que pudesse impor interferências ao desenvolvimento original português; e àquele, dá um choque de realidade na própria nação portuguesa, dando um ultimatum às gerações do futuro, para que trilhem formas de construir uma nova geração. Ao discorrermos sobre isso, procuraremos concluir como esses dois poemas contribuíram para a construção da nação portuguesa, sua contemporaneidade e receita que pode ser aplicada a qualquer país.
O vocábulo “fora” é utilizado em abundancia por Alvaro de Campos. Torna-se, portanto, interessante refletir um pouco sobre esse heterônimo de Fernando Pessoa, uma vez que essa estratégia literária, segundo Massaud Moisés, é uma forma de conhecer a complexidade do real, impossível para uma única pessoa. “O poeta não poderia, obviamente, multiplicar-se em número igual aos seres viventes nas três dimensões temporais. Em vista disso, multiplica-se em heterônimos- símbolos, como se lhe fosse possível chegar a cosmovisões arquetípicas” (p. 334)
Ao lado de Álvaro de Campos, Pessoa cria ainda Alberto Caeiro e Ricardo Reis. Tomemos o que Massaud diz de Campos:

Álvaro de Campos é o poeta moderno, século XX, engenheiro de profissão, que do desespero extrai a própria razão de ser e não escapa da sua condiçãpo de home sujeito à máquina e à cegueira dos semelhantes,tudo transfundido numa revolta a um só tempo atual e permanente, própria dos contestadores: “Na véspera de não partir nunca/ Ao menos não há de arrumar malas/ Nem que fazer planos de papel” (2008: 335)

Assim, a construção da geração orfista, passa, necessariamente, pelo “Mandado de despejo aos mandarins da Europa! Campos então usa cada parágrafo para dar um basta a um estrangeiro. Primeiro a França, negando sua medicação, seus cosméticos, sua salada, sua louça; depois nega a vestimenta, a forma de comercializar; dá um basta à Itália e aos mandamentos da lei da igreja; dá um basta à Inglaterra, classificando-o como “tramp-steamer da baixa imoralidade”; e também aos Britânicos e Austríacos, Irish-Melody calvinista com letra da Origem-das-Espécies; e à Alemanha, com o barril de cerveja ao pé do altar; e por aí continua, esclarecendo que aqueles que não foram citados, sintam-se também enxotados: “E se houver outros que faltem, procurem-nos por aí pra um canto!” Impressiona que todo o poema mantém ao lado uma tradução em espanhol, tendo em vista a ligação profunda que Portugal mantinha com Espanha, nesse processo desbravador de navegação.
Campos critica a sociedade, sua convivência entre países e seus governos. O poeta avisa que “senão querem sair, fiquem e lavem-se” demonstrando a indignação pelo ilegal, pelo incorreto, que em sua visão só afundam o país, causando falência. Ele constrói o “desfile das nações para o meu Desprezo!” assim, escrito com letra maiúscula, para clarear sua sensação de ojeriza ao estrangeiro.
Mas Campos também não poupa as atitudes de Portugal, principalmente em relação a escravidão africana:

E tu, Portugal-centavos, resto da Monarquia a apodrecer República, extrema-unção-enxovalho da Desgraça, colaboração artificial na guerra com vergonhas naturais em África!

A partir desse trecho do poema, a também o Brasil é citado como um intruso “que nem te queria descobrir”. Para Campos, a filosofia, a arte, a literatura, a crítica, a política, a religião, a guerra, tudo está impregnado do estrangeirismo que só corrompe seu país.

O Ultimatum Futurista às gerações portuguesas do século XX, por sua vez, é mais severo com seus contemporâneos. Publicado em 1917, oito anos após a implantação da República, veio como um documento para mexer com a autoestima do povo português, demonstrando que os alicerces do futuro são construídos no passado e que estava faltando concretude para Portugal.
De Lisboa, Almada Negreiros procura logo classificar-se como um membro da geração construtivista, e não revolucionária. Deixa claro que ama sua pátria e que é bem resolvido em sua condição social “tenho a idolatria da minha profissão e peso-a”; que é jovem (22 anos) e goza de suas plenas faculdades mentais[ii]
No auge de seu vigor juvenil, desbrava suas opiniões sem medo, dando-se o direito de “exigir uma pátria que me mereça”. Com altivez, mas não arrogância, Negreiros demonstra que a tentativa democrática tem comprometido seu país todos os dias. Ele roga aos jovens como ele a criarem a pátria portuguesa do século XX.
Ele inicia, então, uma contemplação às benesses da guerra, já que é nela “que se acordam as qualidades e que os privilégios se ultrapassam”. Ou seja, é lutando que se pode conseguir melhorar a condição portuguesa e, sua opinião, é que os jovens se joguem de cabeça nessa proposta:

Dispensai os velhos que vos aconselham para o vosso bem e atirai-vos independentes pra sublime vitalidade da vida. Criai a vossa experiência e sereis os maiores. (p.3)

Nesse sentido, Negreiros defende a intensidade, pois “tudo o que não for explosão não existe”. Raciocinando sobre a guerra, enxerga esse caminho intelectual para destruir o passado, os convencionalismos e diplomacia para erguer um novo cenário. Deixa, assim, uma mensagem sublime de que a guerra é a grande experiência:

Contra o que toda a gente pensa a guerra é a melhor das selecções porque os mortos são suprimidos  plo destino, aqueles a quem a sorte não elegeu, enquanto que os que voltam têm a grandeza dos vencedores e a contemplação da sorte que é a maior das forças e o mais belo dos optimismos. Voltar da guerra, ainda que a própria pátria seja vencida, é a Grande Vitória que há-se salvar a Humanidade. (p.4)

Negreiros procura enxergar o que há de melhor na condição atual de Portugal, independente de neste momento ser o país perdedor da história, o que importa é enxergar dali pra diante, com os que restaram, o que pode ser feito para construir um novo futuro, já que a guerra “acaba com todo o sentimento da saudade para com os mortos fazendo em troca o elogio dos vivos e condecorando-lhes a Sorte”. O jovem é muito feliz em olhar o que ainda têm de bom, de genuíno, para partir dali uma nova construção.
Em seguida, passa e enumerar no documento, dez razões para configurar Portugal como um país de fracos e decadente: 1.A indiferença; 2.a política de partidos em detrimento da expressão da pátria; 3.na poesia inspirada na história e não nas expressões do heroísmo moderno; 4.o sentimento de saudade; 5.a falta de ódios e, portanto, de fé para lutar por seu próprio país; 6.a educação familiar sem nenhum princípio de fé; 7.a desnacionalização, faltando dar valor a verdadeira língua portuguesa, ao sentimento de pátria, e ao que é fabricado e criado em Portugal, tendo a importação como um rótulo da vitória; 8.porque Portugal é um país de amadores, com uma literatura feita para agradar e não para denunciar, o que provoca miséria moral; 9.porque desde o século passado, de Camões, esqueceu-se o que significa Pátria no âmbito comercial, industrial e artístico; e 10.pela passividade ao imposto do exterior, o que tem ‘apodrecido’ Portugal. Nesse ponto, Negreiros aponta a saída, afirmando ser preciso criar adoração dos músculos, espírito de aventura, aptidões pró heroísmo moderno e cotidiano, destruir o sebastianismo que se arrasta e todo o espírito pessimista que vem das antigas civilizações, que as mulheres portuguesas eduquem seus filhos como homens, que os Europeus assim se sintam, que lembrem estar no século XX, é preciso explicar ao povo o que é democracia, violentar todo sentimento de igualdade, ter consciência da atualidade.
Repetindo três vezes que “é preciso criar a pátria portuguesa do século XX”, sendo originais: homens e mulheres de fato, de sua época. Negreiros conclui que, se somos portugueses e não temos culpa por isso, vamos dar o melhor de nós para melhorar essa condição. E fecha com chave de ouro com um toque de realidade e humor: “o povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, /portugueses, só vos faltam as qualidades.”
Após a leitura e análise dos poemas de Almada Negreiros e Álvaro de Campos, cujo tema é o Ultimatum, conclui-se que a literatura e o campo das artes exercem papel fundamental de reflexão para a mudança de qualquer sociedade. Negreiros mostra-se ousado, seguro de si e foi feliz ao escolher o tema guerra para ilustrar a mudança que quer enxergar na sociedade. Ele mexe com os brios e o ego portugueses, utilizando a indignação para convertê-la em ação. Campos mais parece um cavaleiro com um imenso escudo rebatendo tudo que é lançado de fora para seu pequeno país. Juntos, criam um ambiente favorável à nação, mostrando os caminhos pelos quais Portugal pode melhorar sua condição no contexto mundial. Os dois ultimatum descrevem o diagnóstico da doença portuguesa, entregando de bandeja o antídoto para o que eles entendem como veneno: o entreguismo, tanto ao estrangeiro, quanto a si próprios. Vale lembrar que a condição social e política do país é desfavorável perante a história de outros europeus e que posteriormente a esses dois manifestos, viveu o governo ditatorial de Salazar por 46 anos, de 1928 a 1974, o que deu ao país uma nova condição de pressão social. Contudo, a produção literária de Campos e Negreiros demonstram uma contemporaneidade impressionante, já que a ideologia expressa no ultimatum e a condição social descrita ainda se assemelha muito a vivida pela sociedade do século XXI. Seus conselhos valem até hoje, seus diagnósticos são reais, existe invasão sem limites de tudo que é estrangeiro e dão a isso o bonito nome de globalização. Faltam gerações aguerridas que transmitam ao público sua vontade de construir novos rumos a um país. Para além de Portugal, o Brasil viveu ainda mais dez anos de Ditadura, até 1984, o que é decisivo para construir esse aspecto brasileiro. O consolo vem da comparação histórica: Portugal é um país europeu, o continente mais civilizado do mundo e o Brasil foi descoberto em 1.500 apenas.

Referências
MOISES, Massaud. A literatura portuguesa. 35 Edição Revista e Atualizada. São Paulo, Cultrix:2008.
CAMPOS, Álvaro de. Ultimatum. Obtido em  acessado em 29/3/2010.
NEGREIROS, José Almada de. Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX. Lisboa: 1917.


[i] Jornalista formada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Fadep (Faculdade de Pato Branco) em 2004; especialista em Planejamento e Gestão de Negócios pela FAE Business School; e acadêmica de Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela UFSC (Universidade Aberta de Santa Catarina) pela UAB (Universidade Aberta do Brasil) no pólo Pato Branco.
[ii] “Eu tenho vinte e dois anos fortes de saúde e de inteligência”.