Daiana Pasquim
Eis aqui um mosaico que compõe a identidade nacional , centrando o estudo em algumas obras literárias: poesias , prosa , ensaios , filmes , teatro e artes plásticas . Com isso , pretendemos observar o que é a nação brasileira a partir das manifestações culturais e literárias de autores e personagens que tivemos entre as fases do Romantismo e do Modernismo , com vistas a identificar e enaltecer esse povo ou a questão do nacionalismo . A base teórica utilizada para esta análise será as pinturas intituladas A Primeira Missa do Brasil, do catarinense Victor Meireles e de Cândido Portinari; o poema abolicionista Vozes d’África, de Castro Alves; o poema síntese da formação da raça brasileira , de Jorge de Lima , Essa Nega Fulô; a trajetória folclórica de Macunaíma, de Mário de Andrade; dos retirantes , segundo Graciliano Ramos , em Vidas Secas ; e a literatura como forma de denúncia feita por Euclides da Cunha em Os Sertões e de Lima Barreto, em Triste Fim de Policarpo Quaresma . Iniciamos o trabalho com alguns questionamentos gerais sobre essa formação , tendo como plano de fundo a deglutição proposta pelo Manifesto Antropófago (1928), de Oswald de Andrade. Posteriormente , faremos a descrição de algumas dessas manifestações que enaltecem a raça brasileira . Encerremos com as considerações gerais .
Incansavelmente, críticos literários e estudantes de Letras buscam a resposta exata que possa conceituar bem que é essa nação brasileira ? Essa raça está muito além dos nomes desses autores , que podem facilmente ser vistos em qualquer cidade para identificar logradouros ou prédios públicos , está no final da estação onde tudo vira multidão , está no próprio povo , a começar pelos índios que povoavam o Brasil no período do descobrimento e que depois foram “dizimados” para dar lugar a uma nova nação : a dos verdadeiros brasileiros .
Torna-se necessário , entretanto , afirmarmos que os índios não são brasileiros . É preciso dizer logo que o fato de os índios serem descobertos como moradores do Brasil não os tornava brasileiros . A questão aqui não é geográfica , mas sim , situacional e “sensacional ”, na verdadeira etimologia do que significa sentir-se brasileiro . É válido lembrarmos que para ser brasileiro é preciso sim , ter o tempero indígena , mas para além disso, é mais do que necessário mesclá-lo com a “finesse ” estrangeira portuguesa dos Martin, a servidão e a vivacidade escrava das Negra Fulô, a catequização jesuíta tão rápida aos indígenas já na primeira missa , retratada por Meireles, mas ignorada por Portinari nessa obra - o que denota que os índios são , para Portinari, aqueles que a observam. É preciso ainda refletir sobre a fome e a sede de comida , terra e cultura daqueles que têm Vidas Secas nos Sertões ou que se vestem de Policarpo Quaresma em busca da redescoberta dos valores brasileiros , expressa pelo nacionalismo , sem deixar de passar pelas trocas de favores materiais e carnais , para resultar num novo ser , repleto de significâncias, que até hoje ganha novos contornos e intriga analistas . Achar essa resposta implica em reviver a trajetória dos retirantes nordestinos confrontando com os luxuosos bailes nos salões cariocas , temperando com o folclorismo visto em Macunaíma num percurso norte a sul do País . Manifestando-se, Oswald de Andrade nota que o índio se tornou brasileiro quando conseguiu digerir a cultura estrangeira para se tornar melhor .
O viés da literatura é um bom caminho para responder que nação é essa. Foi o que fez José de Alencar com seus romances indígenas , criando a metafórica Iracema, tão ligada a América quanto Moacir, seu filho tido com o português Martin, é o filho da dor (brasileiro ). Nessa seara veio Mário de Andrade criando um herói sem nenhum caráter que vive no universo do fantástico , para fazer o leitor entender que o Brasil pode ser percorrido deixando um pouco a “ética ” de lado . Nasce então necessidades de denúncia , como a de Euclides da Cunha que faz mergulhar em Os Sertões e Lima Barreto, contando um triste fim daquele que luta pela nação , chegando até a propor ao legislativo instituir o Tupy como a língua oficial . A denúncia dá força à literatura . Sobre a questão do nacionalismo , as obras denotam o abismo existente entre aqueles interessados apenas em sua vida e seus próprios interesses , e as pessoas idealistas :
O major sentia bem aquele ambiente falso , aquelas alusões e isso mais aumentava o seu desespero e a teimosia na sua idéia . Não compreendia que o seu requerimento suscitasse tantas tempestades , essa má vontade geral ; era uma coisa inocente , uma lembrança patriótica que merecia e devia ter o assentimento de todo mundo ; e meditava, voltava à idéia , e a examinava com mais atenção . (1998: p.58)
Desse modo , concluímos que externar esse mosaico exige conseguir desgrudar os olhos das páginas dos livros acima mencionados, que têm a capacidade magnética de um imã, por fazer a mente mergulhar em busca dessa nação . A tarefa exige ousadia para misturar num mesmo caldeirão e tentar fazer caber na dimensão de uma folha de papel nomes como Machado de Assis, Sergio Buarque de Holanda, Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Castro Alves, Euclides da Cunha , José de Alencar, Lima Barreto, entre tantos outros . A deglutição nos tornou mais fortes . Tudo nasceu à custa da antropofagia , mesmo que velada, a que anunciou o modernista. Tem sido assim desde então : “nada se cria , tudo se copia” ou se transforma, seguindo as leis da Física e Química . Mas é de literatura que estamos falando e deve-se ter essa consciência de que foi “comendo a cultura do outro que fizemos a nossa ”. Torna-se necessário enxergar como válido a tentativa sagaz de antropofagiar elementos culturais prontos para encaixar no nosso , solução encontrada por tantos até hoje para apresentar algo de novo . “De novo ?”(!)
A Primeira Missa do Brasil , pintura de Victor Meireles
A Primeira Missa do Brasil, pintura de Cândido Portinari.
ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter . Rio de Janeiro : Agir , 2007.
BARRETO, Lima . Triste Fim de Policarpo Quaresma . 5ª Ed. São Paulo:
FTD, 1998. (Coleção Grandes Leituras )
FTD, 1998. (
Essa Nega Fulo , poema de Jorge de Lima .
[1] Ensaio realizado na disciplina de Literatura Brasileira II, no curso de Letras – Português , na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), EAD Polo Pato Branco , semestre 2009-2, ministrada pelo professor doutor Marco Antonio de Mello Castelli.
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